Os dispositivos são colocados nos tornozelos e pescoços dos animais, contendo ímãs e um pêndulo que se movimenta de acordo com o deslocamento
Em uma fazenda de criação de animais, a concentração de oxigênio, a temperatura, a quantidade de exercício e os ciclos reprodutivos são algumas informações que, quando monitoradas por dispositivos, podem ajudar a prevenir doenças e a melhorar a qualidade dos alimentos produzidos. Entretanto, os mecanismos responsáveis por coletar essas informações dependem de energia, o que gera custos e até impactos no meio ambiente.
Portanto, para solucionar esse problema, cientistas criaram um dispositivo que se alimenta da energia cinética produzida pelo próprio movimento dos bichos. Assim, a tecnologia da chamada “fazenda inteligente” consegue abastecer sensores de monitoramento e transmitir informações estratégicas sem a necessidade de contato humano.
Combinando geradores eletromagnéticos e tecnologia de banda larga, pesquisadores da Southwest Jiaotong University, na China, desenvolveram um coletor de energia cinética (KEH) baseado em um mecanismo de aprimoramento de movimento (MEM). O dispositivo consegue amplificar a energia produzida pelos movimentos de animais, em especial aqueles que são mais fracos, como os de menor frequência e amplitude. Também tem um gerador eletromagnético que, a partir de um arranjo magnético, converte a energia cinética captada em eletricidade.
Os dispositivos são colocados nos tornozelos e pescoços dos animais, contendo ímãs e um pêndulo que se movimenta de acordo com o deslocamento. O que permite amplificar a energia captada. Daniel Moutinho Pataca, do Instituto Brasília de Tecnologia e Inovação, explica que a energia cinética dos movimentos de baixa intensidade é transmitida ao pêndulo, e a velocidade de oscilação aumenta sob a ação do mecanismo de aprimoramento baseado no arranjo dos ímãs.
“Devido à repulsão, já que são da mesma polaridade, os ímãs tendem a empurrar o pêndulo de um lado para o outro”, diz Pataca. “Para isso acontecer, só precisa de um pequeno movimento que seja forte o bastante para balançar o pêndulo e romper a inércia inicial.” A conversão da energia cinética em elétrica fica a cargo de um gerador que também opera a partir de um arranjo de ímãs. “O movimento do pêndulo faz com que o campo magnético gerado pelos ímãs induza a corrente nos fios das bobinas. E isso gera energia elétrica”, conclui o professor. Após esse processo, a energia é armazenada em uma bateria, que vai alimentar os sensores de monitoramento.
Sustentável
Os autores do estudo que detalha a tecnologia, divulgado na revista iScience, ressaltam que o principal benefício do dispositivo KEH é a habilidade em captar a energia de forma limpa e sustentável. Sem adicionar custos energéticos a uma indústria já altamente emissiva. “Os métodos tradicionais para alimentar sensores dependem principalmente de baterias químicas. Que podem ter problemas de difícil substituição e poluição ambiental”, detalha Zutao Zhang, pesquisador da universidade chinesa e um dos responsáveis pelo desenvolvimento do dispositivo.
Assim, segundo Zhang, o uso da energia cinética para alimentar sensores de monitoramento é uma maneira de colocar em prática fazendas inteligentes que exigem uma quantidade quase zero de energia e podem ser amplamente cobertas por fontes renováveis. A possibilidade de articular a solução tecnológica com a internet das coisas (IoT) permite o monitoramento ampliado do rebanho. Como a quantidade de exercício, a ocorrência de doenças e a produção de leite —, além do envio desses dados via rede.
“Os sensores colocados nos animais e ao redor deles capturam diferentes informações que tem transmissão pela internet até servidores que vão processar esses dados e decidir. Por exemplo, o melhor tipo e a melhor quantidade de alimento para o animal”, explica Pataca. Entre os desenvolvedores do dispositivo, há a expectativa de que a implementação da tecnologia inteligente faça parte de um esforço maior para melhorar a cadeia industrial do sistema alimentício e tornar o trabalho na pecuária mais eficiente e seguro. “Isso ajudará a prevenir doenças, melhorar a eficiência da criação e manejo e tornar as operações de pastagens mais transparentes”, aposta Zhang.
Dados estratégicos nos animais com dispositivos
Professora do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Érica Schultz lembra que o aumento da demanda por quantidade e qualidade de alimentos gera a necessidade de modernização das práticas de produção. “O monitoramento e a coleta de informações dos animais, de pessoas e equipamentos das fazendas são capazes de gerar, em velocidade, um grande volume de dados em diferentes formatos”, diz. “Esses dados, associados a técnicas de análise, facilitam a tomada de decisões, como estratégias de manejo, alimentação, seleção, saúde e produtividade da criação”, ilustra.
De acordo com Schultz, atualmente, no Brasil, o monitoramento é feito por técnicos que vão a campo. Sendo necessária a contenção do animal, o que torna a obtenção de informações mais trabalhosa e invasiva. No entanto, a pesquisadora afirma que as tecnologias também têm avançado no país, com mais fazendas aderindo ao uso de sensores. Nesses casos, a durabilidade das baterias usadas nos dispositivos é um dificultador.
O dispositivo de aproveitamento de energia cinética desenvolvido pela equipe chinesa poderá ajudar a vencer essas limitações: “Com esse avanço, um dos benefícios é que, a longo prazo, a tecnologia se tornaria mais barata. Além disso, reduziria a necessidade de mão-de-obra e assistência técnica para a contenção do animal, substituição de baterias ou do próprio dispositivo”. Assim, os testes elaborados pelos pesquisadores demonstraram que a geração energética esperada é capaz de atender totalmente o consumo diário dos sensores de monitoramento.
Fonte: correiobraziliense