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A criação do novo espaço cultural em Campo Grande é voltada à memória e a invenção poética de Manoel de Barros

MEMÓRIAS: Casa de Manoel de Barros é aberta ao público em Campo Grande

Com ar modernista, mas com lembranças da infância no campo de Manoel de Barros, a casa se apresenta ao público com fotos, objetos, livros e itens do próprio poeta

A casa do poeta das sutilezas, Manoel de Barros, tem as portas abertas ao público, na região central de Campo Grande, a partir do dia 19. Uma construção, com muro de tijolos enfileirados na horizontal, portão cinza com um boneco desenhado e, para aqueles que passam despercebidos, poderia ser mais uma residência na cidade.

Aliás, a máquina de escrever e os tocos dos lápis que Manoel de Barros usou para testar as possibilidades das palavras estão expostos ao público.

Memórias revisitadas

O local se propõe a mostrar Manoel de Barros desde o lugar favorito do poeta no sofá, de onde assistia as telenovelas, ao óculos que fica na escrivaninha do escritório chamado de “Lugar de Ser Inútil”.

A casa é de 1986. Com ar modernista, mas com lembranças da infância no campo de Manoel de Barros, a casa se apresenta ao público com fotos, objetos, livros e itens do próprio poeta.

Com pé direito alto e com dois ambientes de vidro para entrada de luz natural, a casa se desenha no chão de pedra polida e nos muitos móveis de madeira. Logo no hall de entrada, quem acessa a casa se depara com uma das correspondências recebidas por Manoel de Barros.

Logo em frente, à direita, várias fotos e prêmios são expostos na local que o poeta viveu junto da esposa, Stella Barros. Aliás, no mesmo canto das fotografias, uma máquina de escrever, assinada pelo poeta, expõe uma das perguntas feitas pelo jornalista e um dos idealizadores do museu, Ricardo Câmara, a Manoel de Barros.

A casa de Manoel Barros  em Campo Grande

“A casa, agora museu, pretende perpetuar o nome de Manoel de Barros. Faz mais de um ano que a gente está correndo para viabilizar a casa. O local não é grande, mas é muito preservado. Portanto, temos a sala, a cozinha o escritório do jeito que era quando Manoel estava aqui. De fato, mantemos o ambiente doméstico que Manoel e Stella Barros viviam e também apresentamos uma narrativa de um museu casa”, detalha Câmara.

Do banheiro ao quarto de Manoel e Stella Barros, as palavras estão estampadas na parede de forma sutil. Portanto, a casa foi preservada ao máximo, mantendo o local da forma que o casal a deixou. Porém, apresenta delineados da história do poeta e impressões artísticas feitas pela curadoria de arte do museu.

“A casa vai ter um biblioteca reunindo trabalhos de Manoel de Barros. Vemos que a casa tem os tijolos invertidos, casa orgânica e rústica. Manoel trouxe um apartamento para a cidade. Assim, Manoel traz a questão da contemporaneidade. O local é diferente”, destaca Câmara.

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Dos tocos de lápis às cartas de Manoel de Barros entre amigos

Ainda no primeiro pavimento da casa, após o hall de entrada, à esquerda, fica a sala de estar com livros, cadeiras e o sofá que tem a marca de onde Manoel de Barros sentava. Aliás, ali era o local favorito do poeta para assistir os telejornais e telenovelas, como explica Câmara.

Logo em frente fica a sala de jantar com uma grande cristaleira. Entre um cômodo e outro, livros, poemas, revistas, rascunhos de intimidades são expostos em cima de cômodas. As letras, as palavras formando frases ou aquelas “ao vento”, ainda sem sentido, estão por toda a casa.

“Manoel era o artesão das palavras. Assim, ele todo dia trabalhava na parte da manhã criando novos espaços para incluir as palavras. Ele inaugurava novos modelos para os verbos. Depois, ele tinha ideia do poema e buscava os caderninhos onde ele tinha anotado todas as experiências de lugares novos com as palavras”, explica Câmara.

Logo após a sala de jantar, uma cozinha pequena, ainda com um filtro de barro, é exposta aos visitantes. O quarto do casal, com guarda-roupas, escrivaninha, a arara onde Manoel de Barros pendurava os chapéus ficam à vista. Em cima da cama forrada, uma projeção com a voz e vídeos do poeta é apresentada de forma imersiva.

De repente, uma porta do quarto leva os visitantes para conhecer o jardim da casa, onde um pequena horta segue plantada e um pé de pitanga aflora as pequenas frutas vermelhas.

Sendo assim, o lugar mais cobiçado na visitação é o escritório de Manoel de Barros. Dali saíram inúmeros versos, ideias mirabolantes e poemas que só o poeta das sutilezas poderia propor ao mundo. Na mesa, os óculos com grossa armação fazem com que qualquer visitante, que tenha o mínimo da memória fotográfica do rosto de Manoel de Barros, o relembre.

Memória

No canto da escrivaninha, tocos de lápis que Manoel de Barros usou para escrever vários poemas seguem juntos. Restos de borrachas ainda são persistentes ao tempo. Um pião, papéis, livros e algumas esculturas de santos e de Charles Chaplin compõe o lugar. Aliás, com uma corda vermelha impedindo a passagem, a “aura” do escritório se diferencia do restante da casa.

“Manoel conseguiu a proeza que só os gênios conseguem: se tornar um clássico em vida. Manoel quase chegou em um grau em que ninguém o criticava. Quase chegou a unanimidade. Falo ‘quase’, porque é importante ser ‘quase’. Toda unanimidade é burra. Manoel conseguiu esse patamar dos clássicos. Não é um trabalho regionalista, onde os temas são o principal, mas sim as palavras”, comenta Câmara.

Portanto, a criação do novo espaço cultural em Campo Grande é voltada à memória e a invenção poética de Manoel de Barros. O local, chamado de Casa-Quintal Manoel de Barros, teve o projeto realizado pela Fundação Nelito Câmara, Pólo Filme e correalizado pelo Sesc Cultura de Mato Grosso do Sul e com o apoio da Energisa. Aliás, o projeto conta ainda com o apoio cultural da Polca, Cine Café e Essência de Mato.

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Faça a visita

A visita será iniciada na próxima semana. O ingresso para conhecer o lugar será de R$ 33,00. Entretanto, por dia, a casa receberá seis grupos com cinco pessoas cada.

A casa fica na Rua Piratininga, número 363, bairro Jardim dos Estados. Para adquirir o ingresso, entre no site www.sympla.com.br.

Noite de abertura

A noite de abertura contou com vários amantes de Manoel de Barros. Entre os convidados, a atriz Bruna Lombardi apresentou entrevista que fez com o poeta lá na década de 1990.

Além de uma conversa com a atriz, os visitantes puderam conhecer a casa de Manoel de Barros e participar de um bate-papo.

Para a professora de Língua Portuguesa e Literatura Regina Célia de Araújo Silva faltou palavras para descrever o ambiente. Contudo, com a memória atrelada ao poeta, a professora fez questão de ser a primeira a chegar no lugar que Manoel chamou de casa.

“O fato de eu ser professora de Literatura e que, em 1989, eu fui recebida e agraciada com uma palestra de Manoel de Barros. Na época ele era tão tímido e ele foi por amor a cultura. Isso tudo marcou a minha vida acadêmica e profissional. Faltam palavras para descrever. Eu estou retornando um ciclo de muitos anos. Não tenho palavras para descrever”, relata emocionada Regina.

Relembre a história de Manoel de Barros

Manoel de Barros morreu aos 97 anos em 2014. O poeta teve falência de múltiplos órgãos. Manoel Wenceslau Leite de Barros era advogado, fazendeiro e poeta. Nasceu em Cuiabá, no Beco da Marinha, às margens do rio Cuiabá, em 19 de dezembro de 1916. Assim, com dois meses foi com a família para Corumbá, ainda quando Mato Grosso do Sul ainda era Mato Grosso.

Assim, Manoel de Barros publicou o primeiro livro, “Poemas concebidos sem pecado”, em 1937. O último volume, “Escritos em verbal de ave”, saiu em 2011.

Em 1966, Manoel de Barros ganhou o prêmio nacional de poesias com “Gramática Expositiva do Chão”. Então em 1998, levou o Prêmio Nacional de Literatura do Ministério da Cultura, pelo conjunto da obra.

Então, ao longo da carreira de sete décadas, ganhou o Prêmio Jabuti duas vezes, em 1990 e 2002, com as obras “O guardador de águas” (1989) e “O fazedor de amanhecer” (2001). Sendo assim, em 2000, foi premiado pela Academia Brasileira de Letras.

Além disso, o escritor teve sua obra traduzida em Portugal, Espanha, França e Estados Unidos. Aliás, em 2008, foi tema do documentário “Só dez por cento é mentira”, de Pedro Cezar. Além disso, Manoel de Barros era ocupante da cadeira número 1 da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.

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Fonte: G1