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Um projeto de lei em trâmite na Câmara dos Deputados pretende alterar a Lei de Arbitragem. Sobretudo, para limitar a atuação dos árbitros

Projeto que muda lei de arbitragem gera críticas de especialistas

A arbitragem é um meio de resolução de conflitos alternativo ao Judiciário

Um projeto de lei em trâmite na Câmara dos Deputados pretende alterar a Lei de Arbitragem. Trata-se de Lei que limitará a atuação dos árbitros (que atuam como juízes nos casos), e, dessa forma determinar que os procedimentos e sentenças sejam tornados públicos. Entidades empresariais e representantes da advocacia, no entanto, veem essa nova estrutura como um desmonte do instituto no país.

A arbitragem é um meio de resolução de conflitos alternativo ao Judiciário e tem, entre as principais características, a confidencialidade dos procedimentos. O projeto, porém, mexe em toda a sua estrutura.

Especialistas dizem que se criaria um “Frankenstein”, algo que não existe em nenhuma outra parte do mundo.

“Se aprovado, será um grave retrocesso. Não há qualquer paradigma em qualquer outra jurisdição com o tipo de interferência que esse projeto procura emplacar. Vamos ver a migração da arbitragem para fora do país”,  diz o advogado Pedro Batista Martins, sócio do escritório Batista Martins Advogados e um dos colaboradores da Lei de Arbitragem.

A legislação hoje em vigor (nº 9.307) existe há 25 anos e tem como raiz a lei modelo da Uncitral, órgão da ONU que estuda regras para o desenvolvimento do direito comercial mercantil.

“É aprovada pela comunidade internacional “, frisa o advogado.

A arbitragem é praticada em câmaras privadas e muito usada pelas empresas para discutir questões contratuais, especialmente na área societária. A adesão ao mecanismo é voluntária entre as partes e feita por contrato celebrado entre elas. As disputas envolvem bilhões de reais.

Judiciário não interfere

Em 2019, havia 967 processos em andamento nas oito principais câmaras do país, no total de R$ 60,91 bilhões, segundo a última edição da pesquisa “Arbitragem em Números e Valores”.

A decisão dos árbitros é final. O Judiciário não pode interferir no mérito, dizer se uma parte tem ou não razão. Cabe somente o que se chama de “controle de legalidade”, para verificar, quando questionado pelas partes, se o procedimento ocorreu conforme a lei.

O projeto de lei que mexe nas regras, PL nº 3293, teve o protocolo por meio da deputada Margarete Coelho (PP-PI) em outubro de 2021. No último dia 6, sete deputados apresentaram requerimento de urgência para a tramitação do PL. Começou, então, uma nova corrida entre os especialistas para tentar convencer os líderes partidários a não levar o tema adiante.

O pedido de urgência ainda aguarda deliberação no plenário. O PL está na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara e tem como relatora a deputada Bia Kicis (PL-DF).

Pelo menos outras 30 entidades já haviam se manifestado contra as mudanças

O Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) emitiu nota técnica sobre o tema no dia 8, referindo-se ao projeto de lei como “PL Antiarbitragem”.

“No melhor cenário, terá como resultado a redução de casos, a migração das arbitragens brasileiras para outros países e a eliminação do país como possível sede de arbitragens internacionais, gerando, ao fim e ao cabo, prejuízos à economia brasileira”, afirma o IAB, em nota assinada pelo advogado Joaquim de Paiva Muniz, membro da comissão permanente de arbitragem e mediação da entidade.

A nota ressalta não haver motivo de urgência para votar o PL agora e defende um debate, que não houve, por representantes das classes política e jurídica.

Pelo menos outras 30 entidades já haviam se manifestado contra as mudanças previstas no Projeto de Lei que muda a arbitragm, como seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), câmaras de arbitragem, centros e institutos ligados à advocacia e federações de indústrias.

Inconstitucionalidade

O PL trata de duas mudanças sensíveis: a divulgação de sentenças e a atuação dos árbitros. Limita, por exemplo, a quantidade de processos em que um mesmo profissional pode atuar — no máximo dez —, impede que a mesma formação de um tribunal se repita em outro e determina que, antes de aceitar o convite para atuar como julgador, o árbitro terá de revelar as arbitragens em que atua.

Na parte da justificativa do projeto, a autora diz que a ideia “é aumentar a segurança jurídica e coesão das decisões”. Houve solicitação para ela falar sobre o tema, mas não retornou até o fechamento desta edição.

A visão de especialistas nessa área, porém, é completamente diferente. Além de desalinhar as regras do país com as internacionais, dizem, haveria inconstitucionalidade. Ao limitar a atuação dos árbitros, por exemplo, a livre iniciativa seria cerceada. Seria como dizer a um médico quantos pacientes pode atender.

No entanto, pedidos de impugnação de árbitro são minoria

Ninguém discorda, no entanto, que as discussões em torno do dever de revelação dos árbitros estão mais latentes. Ganharam força após decisão liminar do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) suspendendo a sentença proferida na arbitragem em que J&F e Paper Excellence brigam pelo controle acionário da Eldorado Brasil — em março de 2021.

Um dos motivos foi a participação de um dos árbitros. A J&F afirma que o julgador teria dividido escritório com advogados que atuam para a parte contrária e não teria revelado isso no processo.

Advogados que atuam com arbitragem afirmam, no entanto, que pedidos de impugnação de árbitro são minoria. No Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, uma das principais do país, por exemplo, as decisões a respeito de pedidos de impugnação de árbitro somam menos de 1% de todos os casos em andamento.

Em 2021, havia 427 procedimentos em tramitação, e apenas três decisões foram proferidas sobre impugnação de árbitros. Em todos os casos, se mantiveram os árbitros.

Segundo advogados, o Brasil adota os mesmos critérios de outros países que também praticam a lei da arbitragem e segue a doutrina e jurisprudência internacional. Nos casos em que há pedido de impugnação, é necessário verificar se o fato que não foi revelado pode influenciar no julgamento.