Com juros recordes, uso do cartão empurra famílias cada vez mais para o vermelho no Brasil
Juros altos fazem o cartão — usado cada vez mais pelas famílias — empurrar o orçamento para o vermelho no Brasil de hoje. No caixa do supermercado, o cartão é passado com o mesmo frio na barriga de sempre. Não é para parcelar celular, viagem, eletrodoméstico. É para levar arroz, leite, sabonete, remédio.
Essa cena não é exceção no Brasil de 2025. Famílias que ganham até 5 salários mínimos seguem como as mais endividadas do país, segundo a Peic (Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor) da CNC (Confederação Nacional do Comércio). E o motivo principal tem nome e juros estratosféricos: cartão de crédito.
“Mais de 90% das dívidas passam pelo cartão”, explica o pesquisador Flávio Ataliba, do FGV Ibre.
“Ele deixou de financiar sonho e passou a financiar sobrevivência. A facilidade de uso, aliada à falta de educação financeira e aos juros altíssimos do rotativo, transformou o cartão em porta de entrada para um endividamento permanente”, destaca.
Segundo o documento da CNC, apesar da queda pontual na margem, o endividamento permanece elevado e deve seguir pressionando principalmente as famílias de menor renda, especialmente no fim do ano.
“O endividamento deve recuar ainda mais no último mês ano, assim como a inadimplência. Mesmo assim, devemos fechar 2025 com as famílias significativamente mais endividadas (+2,4 p.p.) e mais inadimplentes (+0,5 p.p.) do que no fim do ano passado. A desaceleração da demanda por crédito distensiona inadimplência às vésperas do aquecimento do consumo”, diz o documento.
Juros altos e cartão de crédito para comer empurram famílias ao vermelho
A queda geral em novembro é real — mas insuficiente para reverter a trajetória e mostra que os mais pobres estão hoje mais endividados do que há um ano.
“A pessoa parcela a compra de alimentos em três vezes. No mês seguinte precisa comprar de novo, mas já entra com a parcela anterior para pagar. Isso encavala. Chega uma hora que o limite estoura. Aí paga só o mínimo e entra no rotativo, com juros acima de 400% ao ano. Quando percebe, está presa num ciclo que não nasceu de luxo, mas de arroz, leite, sobrevivência”, analisa.
Desenrola ajudou, mas não sustentou
Dados mais recentes do BC (Banco Central) mostram que, mesmo após a rodada de renegociações do Desenrola — que funcionou entre 2023 e 2024—, o endividamento voltou a ganhar força e o custo das dívidas bateu recorde histórico.
O comprometimento da renda das famílias chegou a 28,8% em outubro, o maior nível já registrado, enquanto 10,23% do orçamento vai apenas para pagamento de juros.
O programa aliviou a pressão no curto prazo, especialmente para quem renegociou débitos antigos, mas não foi suficiente para impedir a retomada do ciclo da dívida.
A série do BC também mostra que a relação entre o estoque de dívidas e a renda acumulada dos últimos 12 meses subiu para 49,1% em setembro, após registrar 48,95% em agosto e 48,64% em julho, ficando em 49,8% em outubro.




