Longe dos holofotes, empresas brasileiras e multinacionais avançam na tecnologia, inclusive com ajuda da inteligência artificial (IA)
Apresentado há pouco mais de dois anos pelo criador do Facebook, Mark Zuckerberg, como a nova fronteira da tecnologia, o interesse de brasileiros pelo termo “metaverso” despencou 93% em dezembro do ano passado na comparação com as buscas no Google no mesmo mês de 2021, auge das pesquisas sobre o tema. Isso mostra como funciona um “hype” (gíria para algo que tem pico de atenção por um período curto).
Longe dos holofotes, no entanto, empresas brasileiras e multinacionais avançam na tecnologia. Inclusive com ajuda da inteligência artificial (IA), o tema que agora monopoliza conversas sobre tecnologia. Indústrias e centros de pesquisa usam ferramentas de realidade virtual para garantir eficiência e segurança em operações.
Assim, a palavra “metaverso” faz referência a um simulacro digital que reproduz o mundo físico. Quem cunhou o termo, há mais de três décadas, foi Neal Stephenson, no livro “Snow Crash”, ficção científica de 1992 que virou um clássico da cultura cyberpunk. No universo corporativo, o termo ganhou novos significados e, sob o guarda-chuva de “metaverso industrial”, chega a setores que vão da indústria de petróleo e mineração às de saúde e automobilística.
Tecnologia e o metaverso
O metaverso industrial é uma tecnologia imersiva aplicada na indústria. Que aliás, alguns vão chamar de realidades mixadas ou de gêmeos digitais. Com a tecnologia, eu posso levar uma linha de produção inteira para o virtual, por exemplo. O grande foco, no fim, é evitar erros e reduzir custos, explica Marcelo Teixeira, pesquisador de tecnologias imersivas e CEO da SMTech.
Aliás, cortar despesas e minimizar contratempos na linha de produção foram alguns dos motivos que levaram a Renault a investir no metaverso industrial. A montadora espera economizar US$ 330 milhões (R$ 1,6 bilhão) até 2025 no projeto de criar réplicas virtuais das fábricas em todo o mundo. Chegar à redução do tempo de entrega de veículos é um dos ganhos do processo virtualizado. Assim, o primeiro passo foi dado: a conexão das máquinas e a criação da réplica virtual das linhas de produção.
Além disso, todas as nossas fábricas são digitalizadas. Com óculos de realidade virtual, podemos caminhar nelas virtualmente. Assim, consigo checar a posição exata de um robô na linha de produção para planejar a instalação de máquinas e simular movimentos, conta o diretor de Engenharia de Processo da Renault no Brasil, Giuliano Pento Eichmann.
Treinamento remoto
Os óculos de realidade virtual são usados também para treinar profissionais que atuam na linha de produção. Nas quatro fábricas da Renault no Brasil, técnicos de pintura passam por treinamento virtual antes de operar pistolas de tinta nas latarias, o que tem gerado economia de material e tempo.
Os gêmeos digitais entram também em cena quando o principal bem produzido pela empresa não está numa fábrica, mas, no fundo do mar. Na Petrobras, a tecnologia já é aplicada ou está em desenvolvimento em toda a cadeia do petróleo, da extração ao refino. Nas plataformas, permite o monitoramento de equipamentos (como os instalados no fundo do mar) à distância, o que garante mais segurança para quem está in loco.
Ao olhar a réplica virtual, é possível navegar, de um lado, em uma espécie de Google Street View da plataforma de petróleo. Do outro, existe uma visão 3D do mesmo ambiente, em que eu posso clicar nos equipamentos e obter informações em tempo real, explica Everton Schaefer, gerente de Planejamento de Refino, Otimização e Eficiência Energética da estatal.
Desde 2020, a petroleira tem seu Centro de Excelência de Digital Twin, que pesquisa e implementa os gêmeos digitais na companhia. A área que deu início ao processo foi a de reservatórios. A partir da versão digital, a Petrobras passou a fazer testes de segurança, projeções, medições em tempo real e simulações operacionais dos reservatórios.
Interesse pelo metaverso
Todas as informações que temos dos reservatórios são baseadas em dados e sondagem geológica e geofísica. Formamos uma imagem tridimensional e, a partir do momento em que trabalhamos no ambiente virtualizado, minimizamos o risco envolvendo pessoas, diz Anderson Rocha, consultor de TIC para Engenharia Digital da estatal.
Apesar de tecnologias imersivas estarem em estudo para uso industrial há anos. Aliás, o pico de interesse pelo metaverso veio depois de Zuckerberg decidir mudar o nome de seu império de redes sociais iniciado com o Facebook para Meta, em outubro de 2021. Desse modo, o reposicionamento da empresa aconteceu para marcar o foco no que seria o “próximo capítulo da internet”. Onde as pessoas estariam “dentro da experiência (virtual)” em seu cotidiano, segundo o executivo.
Entre 2021 e 2022, a tecnologia se tornou uma espécie de obsessão das big techs e de investidores do Vale do Silício. Marcas como Nike, Balenciaga e Adidas lançaram versões virtuais de seus produtos. Bem como, um relatório do Citi Group chegou a estimar que o mercado de consumo dentro do metaverso poderia chegar a até US$ 13 trilhões (R$ 63,9 bilhões) em 2030.
No entanto, dois anos depois, a Meta demitiu boa parte da equipe dedicada ao metaverso e chegou a ter prejuízo de US$ 20 bilhões, em um ano, com a área. Projetos similares de outras empresas também enxugados ou fechados.
Desgaste antecipado
Para Marcelo Teixeira, as altas expectativas levaram a um desgaste antecipado do metaverso. Mesmo antes de a tecnologia atingir “seu grau de maturidade”. Rafael Alves, head de digitalização da Siemens, uma das empresas que lidera o desenvolvimento do metaverso industrial, concorda que a tecnologia ainda não está “em sua totalidade”:
O metaverso industrial em sua integridade ainda é um próximo passo. Estamos falando de um ambiente virtual quase indistinguível do real, sempre ativo e acessível para várias pessoas. É um ambiente muito mais imersivo e que está totalmente integrado em tempo real com as plantas das fábricas.
Para demonstrar como será essa integração completa de digital e físico, a Siemens opera, em São Paulo. Um Centro de Experiência Digital, chamado de DEX, que demonstra usos do metaverso na indústria. Contudo, Alves explica que um dos desafios para tornar o metaverso uma réplica ultrarrealista do mundo físico, e completamente integrado a ele, é a capacidade atual de processamento de dados uma barreira que a IA tem ajudado a superar.
Com a IA, uma simulação (de ambiente físico) que demoraria quatro, cinco meses para ser feita, pode produzir em alguns segundos. Você combina as tecnologias e consegue dar um salto, concorda Marcel Saraiva, gerente de vendas, no Brasil, da divisão Enterprise da Nvidia, gigante de tecnologia pioneira em sistemas gráficos, processadores e chips para IA.
Assim, Saraiva explica que a IA aumenta a capacidade de processar a enorme quantidade de dados envolvidos nos ambientes virtuais do metaverso. Para unir os dois mundos, a empresa opera com o Nvidia Omniverse, sistema que permite a criação de gêmeos virtuais com IA.
Baixo investimento e falta de mão de obra
Na Vale, a união das duas tecnologias aplicada em viradores de vagões do Terminal de Minério de Ponta da Madeira, no Maranhão. Que aliás, conta com réplicas digitais que ajudam a mineradora a mapear o ambiente.
A tecnologia utiliza IA e modelamento matemático para analisar tecnicamente dados coletados por câmeras e sensores instalados nos ativos e aprimorar a tomada de decisão quando são necessárias intervenções de manutenção, conta Paulo Pires, diretor de Tecnologia e Inovação da Vale.
A Microsoft, que tem liderado os avanços recentes nas aplicações de inteligência artificial, em parceria com a OpenAI, também tem apostado na associação de IA e metaverso. Assim, a companhia faz isso a partir da integração do Copilot, seu assistente de IA, ao Hololens 2, óculos de realidade mista voltado ao uso corporativo.
Assim, esse é o cenário perfeito por que as instruções que o usuário dá por voz guiam o Hololens na apresentação dos cenários virtuais, diz Marcondes Farias, diretor de Aplicações de Negócios na Microsoft Brasil.
No país, apesar de avanços, baixo investimento e falta de mão de obra especializada ainda são as principais barreiras para o avanço das tecnologias da indústria 4.0, incluindo o metaverso. Segundo a CNI, 66% das companhias veem o custo como principal entrave para aplicação de tecnologias digitais. Enquanto um quarto aponta a falta de conhecimento como desafio.
Incentivos públicos
O programa Nova Indústria Brasil, lançado na semana passada pelo governo, planeja destinar R$ 66 bilhões, até 2026. Trata-se de valor em financiamentos no eixo que mira aumentar a inovação da indústria brasileira. O que aliás, inclui projetos digitais.
Outras iniciativas do governo também criadas nesse sentido. Uma delas é o MetaIndústria, da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), inaugurado neste ano, na Grande São Paulo. Portanto, a meta é auxiliar 100 empresas brasileiras na aplicação de tecnologias de realidade virtual, em parceria com universidades e companhias de tecnologia. A ambição é “transformar a manufatura da indústria para incluir o país na corrida global”. Segundo o gerente de Difusão de Tecnologias da ABDI, Bruno Jorge.
Fonte: folhape