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Crise de moradia em Portugal expulsa brasileiros para quartos superlotados e faz faxineiras viverem em barracas na praia de Carcavelos. Foto: Divulgação

Crise de moradia em Portugal empurra brasileiros para rua

A crise de moradia em Portugal torna o aluguel em Lisboa impagável para brasileiros

A crise de moradia em Portugal expulsa brasileiros para quartos superlotados, empurra moradores em situação de rua para praias como Carcavelos, torna o aluguel em Lisboa impagável e lota o programa de retorno voluntário com imigrantes que já não conseguem pagar um teto digno no fim do mês.

A partir de 2017, quando relatórios de instituições portuguesas apontavam cerca de 4 mil pessoas sem teto em todo o país, a crise de moradia em Portugal deixou de ser um alerta abstrato para se tornar um cenário visível nas ruas de Lisboa. Em 2021, o número de moradores em situação de rua já se aproximava de 11 mil, com cerca de 10% formados por estrangeiros. Muitos deles brasileiros em Portugal que chegaram em busca de estabilidade e hoje disputam marmitas em filas noturnas.

Entre 2016 e 2023, enquanto os alugueis subiam em média quase 50% no país, o programa de retorno voluntário registrou um salto nas inscrições. Com brasileiros respondendo por cerca de 80% dos pedidos para voltar ao país de origem. Em Lisboa, um apartamento de 80 metros quadrados já pode consumir praticamente um salário inteiro médio da capital. Desse modo, transformando o aluguel em Lisboa no principal fator de colapso dos orçamentos de famílias imigrantes e portuguesas.

Noite em Lisboa: brasileiros na fila da marmita

Organizações de ajuda humanitária percorrem praças e calçadas distribuindo refeições quentes para moradores em situação de rua.

A equipe da Noor Fátima, formada por voluntários que recolhem doações e preparam marmitas, encontra um público cada vez mais numeroso.

As bandejas são disputadas e, na fila, o português se mistura ao sotaque brasileiro.

Muitos brasileiros em Portugal aceitam a ajuda, mas recusam entrevistas e exposição em vídeo, com medo da reação de familiares no Brasil e de empregadores.

É cada vez mais comum ouvir relatos de pessoas com trabalho formal ou informal. Mas sem condições de pagar um quarto, empurradas para a rua ou para barracas improvisadas.

Em vários casos, o roteiro se repete: promessa de emprego, meses de subempregos no setor de limpeza, construção ou serviços, somados ao custo alto de transporte e alimentação.

Quando o aluguel em Lisboa passa a consumir quase tudo o que entra na conta, qualquer atraso em pagamento ou perda de jornada vira gatilho para despejo. E para a entrada na estatística de moradores em situação de rua.

Números que explicam a crise de moradia em Portugal que afeta brasileiros

Segundo levantamento de uma instituição portuguesa, o total de moradores em situação de rua mais que dobrou entre 2017 e 2021. Saltando de cerca de 4 mil para quase 11 mil pessoas em todo o território.

Desse universo, aproximadamente 10% são estrangeiros, grupo no qual os brasileiros em Portugal têm peso relevante.

No mesmo período, o mercado imobiliário passou por forte reprecificação.

Nos últimos cinco anos, o valor médio dos aluguéis no país aumentou em torno de 50%, concentrando os maiores reajustes nos centros urbanos de Lisboa e Porto.

Hoje, não é raro que o aluguel em Lisboa de um apartamento de 80 metros quadrados se aproxime ou iguale o salário médio da cidade, deixando contas básicas e alimentação em segundo plano.

Mais sobre a crise de moradia em Portugal que afeta brasileiros

Especialistas ouvidos em relatórios públicos atribuíram o agravamento da crise de moradia em Portugal a três fatores principais: aumento do investimento estrangeiro em imóveis residenciais, boom do turismo a partir de 2015 e escassez de construção de novas habitações a preços acessíveis.

O resultado direto é um mercado que remunera melhor o aluguel de curto prazo para turistas do que contratos longos para famílias de baixa renda, pressionando moradores em situação de rua e empurrando trabalhadores de baixa qualificação para periferias distantes ou para soluções improvisadas.

Brasileiros em Portugal lideram o programa de retorno voluntário

O impacto da crise de moradia em Portugal também é visível nas estatísticas do programa de retorno voluntário. Financiado em parte pelo governo português e voltado a imigrantes que não conseguem mais se sustentar no país.

O mecanismo oferece apoio logístico e financeiro mínimo para que estrangeiros retornem ao país de origem, independentemente do status migratório.

De 2016 a 2023, o número de inscritos cresceu de forma acentuada, com brasileiros em Portugal respondendo por cerca de 80% das inscrições.

Muitos são trabalhadores que chegaram com expectativas de regularização, conseguiram emprego, mas não suportaram o peso do aluguel em Lisboa, das contas mensais e da ausência de rede de apoio.

Na prática, o programa de retorno voluntário virou a última porta de saída para famílias que se veem espremidas entre contratos caros e a perspectiva concreta de se tornarem moradores em situação de rua.

Relatos de voluntários mostram um padrão frequente: imigrantes que, depois de meses vivendo em quartos superlotados ou em barracas, pedem ajuda para comprar a passagem de volta e regularizar documentos.

O retorno, em muitos casos, é encarado menos como escolha e mais como recuo forçado diante do avanço da crise de moradia em Portugal.

Faxineiras em barracas na praia de Carcavelos

Enquanto alguns optam pelo programa de retorno voluntário, outros tentam ganhar tempo improvisando soluções de habitação.

Em Carcavelos, uma das áreas mais valorizadas da Grande Lisboa, um acampamento cresceu em meio à vegetação da chamada Quinta dos Ingleses.

Ali, barracas se organizam como se fossem quitinetes, com divisões que lembram quarto, sala, cozinha e banheiro.

Andreia, brasileira que trabalha como faxineira, chegou a dividir um quarto em Lisboa com uma amiga, pagando 200 euros cada uma.

Em pouco tempo, o valor subiu para 300 e havia previsão de que o mesmo quarto, compartilhado, passaria a custar 400 euros por pessoa.

Diante da perspectiva de comprometer metade do rendimento mensal apenas com moradia, ela decidiu montar sua própria barraca na praia de Carcavelos.

Hoje, Andreia divide o acampamento com a amiga Márcia. A primeira noite, marcada por chuva forte e ventania, foi um teste de resistência.

Depois disso, a percepção das duas mudou. Elas afirmam que trocaram uma casa de parede fria por uma “casa de lona” com mais privacidade e a possibilidade real de poupar dinheiro que antes desaparecia com aluguel em Lisboa e arredores.

O terreno arborizado, porém, não é apenas um ponto alternativo de moradia. Concentra outras barracas ocupadas por brasileiros em Portugal em situação semelhante, que trabalham em faxinas, serviços gerais ou construção civil durante o dia e voltam à noite para um cenário que mistura improviso, vulnerabilidade e tentativa de recomeço.

Projeto de vida suspenso e vontade de voltar

No mesmo acampamento vive Marciele, brasileira de Presidente Prudente, interior de São Paulo. Ela também se instalou em uma barraca na Quinta dos Ingleses para reduzir despesas de moradia e enviar parte da renda para a família no Brasil.

Do ponto de vista financeiro, a estratégia permitiu alguma economia em comparação com os quartos compartilhados disponíveis na região metropolitana.

Mas a escolha tem custo emocional elevado. Marciele deixou no Brasil um filho de 6 anos e relata pensar diariamente em voltar.

Entre a possibilidade de guardar algum dinheiro e a distância prolongada do filho, o equilíbrio é frágil, e a crise de moradia em Portugal acaba interferindo diretamente em decisões familiares que vão além do cálculo do aluguel em Lisboa ou dos salários recebidos.

Assim como ela, outros moradores em situação de rua ou em acampamentos improvisados dizem viver em uma espécie de limbo: não se sentem plenamente integrados em Portugal. Mas também não conseguem juntar o suficiente para um retorno imediato.

Em muitos casos, o programa de retorno voluntário surge como alternativa a médio prazo. Dependendo da capacidade de reunir documentação e de enfrentar o constrangimento de voltar ao país de origem sem ter concretizado o plano inicial de ascensão econômica.

O que a crise de moradia em Portugal revela sobre o futuro da migração

O avanço da crise de moradia em Portugal expõe limites de um modelo que atrai imigrantes com promessas de estabilidade. Mas não oferece habitação compatível com a renda de quem ocupa vagas de baixa e média qualificação.

A combinação de investimento estrangeiro em imóveis, turismo em alta e oferta limitada de moradias acessíveis pressiona tanto portugueses quanto brasileiros em Portugal. E amplia o contingente de moradores em situação de rua.

Ao mesmo tempo, o aumento de adesões ao programa de retorno voluntário indica que parte significativa desses migrantes começa a enxergar o regresso como saída menos arriscada do que insistir em contratos de aluguel em Lisboa. Ou aceitar viver indefinidamente em barracas, quartos superlotados ou abrigos temporários.

Por fim, sem mudanças estruturais na política de habitação, a tendência é que mais histórias de projetos suspensos se repitam. Com impacto direto nas estatísticas de rua e na dinâmica da migração entre Brasil e Portugal.

Fonte: CPG