A pasta prepara um plano de ajuda a produtores rurais para evitar a deterioração desse cenário
O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD), disse que o agronegócio passa por um momento difícil, em razão das questões climáticas, mas que o setor não está diante de uma crise.
A pasta prepara um plano de ajuda a produtores rurais para evitar a deterioração desse cenário. Segundo o ministro, essas medidas são preventivas e podem aproximar o presidente Lula (PT) do setor, mais ligado ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
“O governo não é culpado pela intempérie climática ou pelos preços, que são dos mercados. Eu acho que até passa a ser uma oportunidade em que os produtores percebem que o governo está atento, que o governo se preocupa com essa atividade econômica, mesmo não tendo uma crise, mas um momento que parece ser um pouco mais difícil, o governo está aí atento”, afirmou Fávaro em entrevista à Folha.
Ele defende que, diante dos impasses no acordo entre Mercosul e União Europeia, o país busque parcerias com Brics, Oriente Médio, Ásia e África.
“Claro que gostaríamos de ampliar as nossas relações com a União Europeia, e certamente o agro seria um setor beneficiado. Mas, se não dá oportunidade de fazer negócio aqui, vamos fazer mais negócio acolá.”
Quais as perspectivas para o agro em 2024? Como o governo está vendo as questões climáticas e como pretende agir?
As perspectivas para a agropecuária brasileira aqui no Brasil são sempre muito positivas. O Brasil se consolidou nos últimos 50 anos como o maior player na produção de alimentos. E nós temos um amplo espaço para crescimento. Podemos dobrar a área utilizada com a agricultura e até melhorar as condições da pecuária brasileira sem avançar sobre a floresta. É claro que as mudanças climáticas estão aí, são inquestionáveis. Então, isso é preocupante, a gente tem que estar atento, minimizar isso.
Como lidar com as mudanças climáticas?
Um combate ferrenho ao desmatamento. O Brasil não precisa mais de desmatamento para continuar crescendo. Nós também precisamos respeitar o nosso código florestal. Nós podemos falar, sim, de desmatamento zero. Primeiro, combatendo o ilegal. E segundo, com a remuneração para aqueles que têm o direito de usar parte da sua propriedade, mas que abririam mão disso desde que fossem remunerados.
Como dobrar a produção do agro e melhorar a pecuária sem aumentar a desmatada?
É ocupar, tecnicamente, e nós já temos essa capacidade técnica, sobre as pastagens de baixa produção ou já em fase de degradação. Isso já foi mapeado pela Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] e pelo Banco do Brasil. As potencialidades estão aí.
O cenário atual é de preços muito baixos de commodities, chuvas no Sul, seca no Nordeste. O que o governo pretende fazer?
Primeiro, não criarmos alarmismo. Temos mecanismos e ferramentas para mitigar esses impactos. Já o fizemos, por exemplo, quando da crise da seca no Rio Grande do Sul, no ano passado, que vinha já de três secas consecutivas, criamos linhas de crédito. Isso, certamente, se for necessário, o governo estuda e pode fazer medidas como essa para quem teve, de novo, intempéries climáticas na safra de 2024. Além de um Plano Safra com novas alternativas e mais amplo.
Há uma crise no setor do agro?
Não, longe de crise. Nós temos um momento difícil, um momento em que tivemos mudanças climáticas, intempéries climáticas e preços dos commodities achatados, mas é longe de crise. O setor, ao contrário, teve 3 ou 4 anos muito bons, que permitiu inclusive formar uma gordura. E agora temos um momento difícil, de atenção.
Isso pode afetar politicamente a visão do setor em relação ao presidente Lula? E como está essa relação após um ano de governo?
O governo não é culpado pela intempérie climática ou pelos preços, que são dos mercados. Eu acho que até passa a ser uma oportunidade em que os produtores percebem que o governo está atento, que o governo se preocupa com essa atividade econômica, mesmo não tendo uma crise, mas um momento que parece ser um pouco mais difícil, o governo está aí atento. É fato que nós iniciamos o governo com um ambiente muito hostil por parte do agro. Quem compreendeu que as eleições acabaram encontrou um ambiente muito favorável. Foi o maior Plano Safra da história. Além disso, o presidente começa a viajar pelo mundo, restabelecer as boas relações diplomáticas, e 87 novos mercados abertos.
O seguro rural tem tido um orçamento na faixa de R$ 1 bilhão por ano. É necessária, durante a mudança climática, a ampliação, porque a produção está custando mais e as apólices também, diante das questões climáticas. Então, como sair desse enigma? A modernização do sistema de seguro rural, usando algoritmos e inteligência artificial. Por exemplo, tal região tem os melhores índices de produtividade em tal época. Você vai usar a alta tecnologia e vai sair do risco de previsão meteorológica, então se consegue fazer uma apólice mais barata. Se o valor do prêmio for menor, é possível atender o maior número possível de produtores.
A pasta pleiteia recursos do BNDES em dólar e também a prorrogação de dívidas, o que depende de contas do Ministério da Fazenda.
Depende. Mostramos o cenário sem fazer nenhum tipo de alarmismo, mas para que nós possamos, caso necessário, estarmos preparados. Porque, veja bem, depois do fato ocorrido, a situação pode piorar. Nós queremos ter um governo parceiro, amigo, que se antecipe com as medidas. A equipe econômica está estudando qual pode ser o tamanho desse impacto para que a gente possa tomar medidas preventivas.
O sr. falou da abertura de mercados. Como está o acordo Mercosul-União Europeia?
Houve muita dedicação, mas não chegamos a um bom termo, a formalização da ratificação do acordo, porque depois colocados condicionantes impossíveis e que não são do interesse dos dois lados. Claro que gostaríamos de ampliar as nossas relações com a União Europeia, e certamente o agro seria um setor beneficiado. Mas, se não dá oportunidade de fazer negócio aqui, vamos fazer mais negócio acolá. O presidente Lula está focando muito o desenvolvimento econômico e nas parcerias dos Brics, do Sul Global [países em desenvolvimento], com o Oriente Médio, Ásia, África.
O senhor foi convidado para ir ao Agrishow [no ano passado, ele disse ter se sentido “desconvidado” após ser informado de que Jair Bolsonaro participaria do evento]?
Eu já tinha feito compromisso desde o ano passado de que estaria presente na feira, levando novidades, trabalhando em parceria com os produtores, e essa é uma dinâmica que vai acontecer muito neste ano.
O presidente Lula vai?
Durante o governo Lula 1 e Lula 2, ele foi diversas vezes. No ano passado, o presidente Lula também foi a uma importante feira de negócios do agro, na Bahia, foi muito bem recebido, muito provavelmente ele vai visitar uma das grandes feiras brasileiras neste ano. O momento de hostilidade está minimizado, nada resiste ao trabalho sério, competente e ao diálogo.
Para a Agrishow ele [Lula] ainda não está confirmado?
Ele, em determinado momento, me disse que tinha vontade de ir, mas depois não voltamos a falar mais, mas vamos dialogar, temos ainda uns três meses pela frente para ter a feira.
A bancada do agro teve uma série de embates com o governo em 2023. Qual o cenário que o sr. enxerga para este ano?
Cada vez melhor, de diálogo, de entendimento. O que a FPA [Frente Parlamentar da Agropecuária] quer, e deve ser assim, é uma frente em defesa da agropecuária brasileira. Daí para a frente, questões ideológicas e partidárias têm que ser transferidas para os partidos.
O Congresso analisa um projeto sobre crédito de carbono. O agro acabou ficando de fora do mercado regulado, apesar de ser um dos principais emissores de gases de efeito estufa.
Posso lhe dizer, é o único setor da economia que tem a capacidade de sequestrar carbono, porque é o único que faz fotossíntese. Então houve entendimento com o Congresso de que era prematuro colocar o agro. O agro não está com medo de participar do mercado de carbono, até porque ele é o que tem o grande ativo. Agora só quer que ele participe de uma forma a valorizar aquilo que ele faz de bom para o meio ambiente.
O sr. votou pela derrubada do veto no projeto do marco temporal. O Planalto foi avisado disso? Gerou desgaste?
Eu votei como senador [naquela semana, ele havia se licenciado do ministério]. Isso foi comunicado ao presidente Lula, porque entendo que esse assunto já está superado, muito próximo de um desfecho tão aguardado por ambos os lados. É óbvio que a solução deve ser harmoniosa, e assim eu entendo que o foi, porque, quando a Suprema Corte diz que é possível demarcar áreas, mesmo depois da Constituição de 1988, há um interesse público no bem-estar de indígenas. Mas criou outras condicionantes, como permuta da área e o reconhecimento de que não pode ser em detrimento de um direito já adquirido de produtores.
Fonte: jornaldebrasilia