Não mata, mas pode tornar a qualidade de vida um bagaço
As pessoas buscam ajuda médica porque conviver com a síndrome do túnel do carpo é de doer. No início é só um formigamento no meio da noite. Talvez a pessoa até acorde achando que, por ironia, a sua mão é que está dormindo. Um tempo depois e volta a acontecer a dormência, quem sabe quando ela está no volante do carro ou, talvez, enquanto segura no ferro da condução, na verdade, agora sem se limitar às madrugadas, já em plena luz do dia, o sintoma pode se repetir sempre que ela flexiona o punho por um tempo mais prolongado.
“Ninguém dá muita bola para isso, às vezes nem registra direito o ocorrido na cabeça”, nota o ortopedista e cirurgião de mãos Marcelo Tavares, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo. Se bem que ele já ouviu história de paciente assustado porque o formigar do punho subia pelo braço e, aí, a criatura pensou que era infarto. O problema, porém, era outro: a síndrome do túnel do carpo.
Ela não mata como um ataque do coração, isso é fato. Mas pode tornar a qualidade de vida um bagaço. Aos poucos, em vez de adormecerem de vez em quando, as mãos perdem a força, sem agarrarem mais nada com a mesma vontade de antes. “De novo, logo de cara isso pode passar despercebido. Infelizmente, se uma senhora reclama que está deixando cair objetos com frequência ou que se cansa só de levar a bolsa, pode ouvir até de médicos que isso é normal por causa da idade”, lamenta o doutor Tavares.
Estamos falando de uma encrenca progressiva
O pior é que os problemas da síndrome do túnel do carpo não param por aí. Estamos falando de uma encrenca progressiva. Então, a sensibilidade da palma é que começa a ficar diferente. até para sentir a diferença do quente para o frio. O dedo polegar, o indicador, o médio e o anular — ou, vá lá, pelo menos a metade do anular que se avizinha ao dedo do meio — vez ou outra ficam como que anestesiados, quando não parecem levar uns pequenos choques. Só o dedo mindinho, o menor de todos, é que fica em seu canto de boa, sem se achar afetado.
Tudo isso porque uma estrutura rígida, o tal túnel do carpo, está enfrentando o maior sufoco. Ele, que liga o antebraço às mãos atravessando o nosso punho, por um motivo ou por outro pode não ter mais espaço para tudo o que abriga e se vê em um aperto danado.
Dentro desse canal, encontram-se os tendões flexores que, como o nome indica, possibilitam que as mãos se dobrem. E, ainda, um baita nervo que desce por todo o o braço, flexionando-o quando nos dá na telha. “Nervo é um negócio que só de a gente olhar para de funcionar”, brinca Marcelo Tavares. Exagero dele? Um pouco.
Um nervo seria um fio elétrico e os músculos, a lâmpada
Mas, quando falta espaço no túnel do carpo, o nervo mediano fica mesmo espremido. E, se esse aperto continua, termina lesionado. “Como as pessoas gostam de dizer, um nervo seria feito um fio elétrico e os músculos, nesse caso, seriam a lâmpada”, compara o médico. “O túnel do carpo, por sua vez, equivaleria ao interruptor.
Logo, se há uma falha nele, a ‘luz’ não acende, ou melhor, a ordem para os músculos das mãos se moverem não chega até eles.” Assim, em determinado ponto, músculos como aqueles na base do polegar mal se mexem. E, por puro desuso, até atrofiam. O ruim é que a lesão de um nervo como o mediano não tem volta. Mas não é com o medo de isso acontecer que muita gente entra no consultório. As pessoas buscam ajuda médica porque conviver com a síndrome do túnel do carpo é de doer. Ao pé da letra.
O nervo pressionado dispara sinais dolorosos que se espalham pela palma. Muitas vezes, sente-se um fio ardente do punho ao cotovelo. “No início, a dor e o formigamento vão e voltam. Somem por semanas ou meses e retornam. Vão embora mais uma vez e voltam mais fortes. Até um momento em que se instalam pra valer e não largam mais a sua mão”, diz o cirurgião. Por isso mesmo, é preciso valorizar os primeiros sinais.
Por que acontece?
O desequilíbrio entre o tamanho do túnel e o que passa dentro dele costuma aparecer após a quinta década de vida, observa Marcelo Tavares. O envelhecimento, portanto, é uma das causas.
“As estruturas não têm a mesma elasticidade da juventude”, explica o médico. Segundo ele, há um caso em homens para cada oito a dez casos em mulheres. Pior para elas por causa da menopausa. A derrocada dos hormônios femininos agrava a rigidez do túnel e deixa os tendões mais espessos. Aí, a bomba está armada. A pressão interior no canal do punho também pode aumentar durante a gravidez. “É como se os tecidos da gestante ficassem embebidos em líquido”, diz Tavares. Os lábios, então, parecem mais grossos. O nariz vira uma batatinha. E o túnel? Incha também. “Mas o quadro se normaliza depois do parto ou após a fase da amamentação”, garante médico.
Existem fatores genéticos nessa história
O diabetes e os problemas de tireoide também aumentam a espessura das estruturas no interior do túnel do carpo. Doenças reumáticas favorecem igualmente o fenômeno porque provocam inflamação e ela, por sua vez, eleva o volume do líquido sinovial que banha nossas articulações, mandando pressão interna às alturas. Entram para lista, ainda, os movimentos repetitivos que algumas profissões exigem das mãos. Afinal, eles também são capazes de inflamar a articulação do punho. Menos frequentes, mas possíveis, são acidentes de percurso, como cair e machucar o pulso. “Por último, existem fatores genéticos nessa história”, avisa Marcelo Tavares. “Eles podem influenciar até um padrão anatômico, como um túnel do carpo mais estreito por natureza. Note: quem possui familiares com o problema corre maior risco de desenvolvê-lo.”
Quando o problema é diferente
Marcelo Tavares conta que, se o paciente é jovem, ele já fica com a pulga atrás da orelha desconfiando que seria outra coisa. Por exemplo, um cisto sinovial, que é um tumor benigno. Se ele inventa de ocupar aquele espaço, cresce empurrando o nervo. Daí, será só removê-lo e tudo resolvido. Pode ser, ainda, uma hérnia na região cervical da coluna, pinçando o nervo lá no alto e atrapalhando a boa transmissão de seus sinais até as mãos.
Como é feito o diagnóstico
Na consulta, o médico observa enquanto a pessoa faz alguns movimentos. Isso e um bom papo sobre os sintomas, quando e como eles aparecem, já são meio caminho andado. No entanto, são feitos exames também. A eletromiografia é um deles: espetam-se agulhas pelas mãos que dão pequenos choques. O equipamento do exame, então, verifica a velocidade com que o nervo está conduzindo a eletricidade. E, assim, é possível checar o quanto ele já foi castigado. “Já o ultrassom aponta o diâmetro do canal e se existem alterações anatômicas ou algo diferente crescendo ali, como o tal tumor benigno”, conta o cirurgião. A ressonância magnética poderia ser solicitada para complementar esse panorama do que acontece nos punhos, mas em geral isso é evitado até pelo custo.
Para se livrar da dor
Se o problema é flagrado mais no início, são receitados antiinflamatórios. “Em alguns casos, eles são dados só em situações especiais, como depois de um ciclista fazer um esforço maior “, conta o doutor Tavares. Aí uma inflamação faria acumular líquido dentro do túnel do carpo. Os médicos também prescrevem imobilização na hora de dormir. “É que muita gente se deita com o punho flexionado sob o queixo ou o travesseiro”, justifica o cirurgião. E à noite o quadro sempre tende à piora, porque há uma queda do cortisol na madrugada e, em doses adequadas, esse hormônio é um antiinflamatório natural.
No entanto, dores mais intensas e alterações constatadas nos exame, como uma atrofia muscular, já mandam a pessoa para o centro cirúrgico. “A operação pode ser endoscópica ou convencional”, explica Tavares, que faz as duas, mas até prefere a segunda opção. Acha que é sempre melhor quando enxerga totalmente o nervo, escancarado pelo corte em torno de 2 a 3 centímetros que seu bisturi faz perpendicular à famosa “linha da vida”, aquela que risca o centro da nossa palma. “Faço, então, uma pequena abertura em ligamentos para criar alguma folga”, descreve.
Ninguém opera as duas mãos de uma vez
Segundo ele, a recuperação da cirurgia endoscópica pode ser até um pouco mais rápida. “Mas, no fundo, a cicatrização é parecida e você não faz ideia do que é ter um processo de cicatrização na mão”, diz, com honestidade.”É como calçar um sapato novo, ligeiramente apertado. Precisa de um tempo para ele lacear e você andar com conforto”, compara.
Aliás, até por isso, ninguém opera as duas mãos de uma vez — lembre-se que a síndrome do túnel do carpo é bilateral! Primeiro uma e, passados uns dois meses, a outra. Depois de noventa dias da segunda operação e com a ajuda de sessões de fisioterapia, a pessoa até se esquece o que suas mãos penaram. O que foi danificado do nervo infelizmente não tem volta. Mas o túnel do carpo vira, de novo, um corredor espaçoso e sem dor.