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Algumas pessoas que passam pela separação nessa fase se casam novamente, e algumas se mudam com um novo parceiro ou outros membros da família

Nos EUA, “divórcio grisalho” leva mais idosos a viverem sozinhos

Já faz uma década que a pesquisa de Brown popularizou o termo “divórcio grisalho” para descrever esse fenômeno

O número de americanos idosos que vivem sozinhos está em ascensão, nos EUA, na faixa de pessoas com 65 anos ou mais, cerca de 16 milhões viviam sozinhos em 2022, três vezes mais do que na década de 1960.

Conforme os “baby boomers” (a geração nascida entre 1946 e 1964) envelhecem, espera-se que esse número cresça ainda mais, trazendo grandes questões sobre o futuro do país.

Aliás, há muitas razões para essa mudança na sociedade, incluindo os ganhos econômicos que as mulheres conquistaram ao entrar no mercado de trabalho e as novas atitudes em relação ao casamento.

No entanto, um fator específico que alimenta o aumento do número de idosos vivendo sozinhos pegou especialistas de surpresa quando eles o encontraram pela primeira vez: o aumento nas taxas de divórcio entre adultos acima de 50 anos.

“Ficamos impressionados com nossas descobertas”, comenta Susan L. Brown, codiretora do Centro Nacional de Pesquisa Familiar e Matrimonial da Bowling Green State University.

Já faz uma década que a pesquisa de Brown popularizou o termo “divórcio grisalho” para descrever esse fenômeno algo que costumava ser uma raridade, mas agora se tornou muito mais comum.

“Bem mais de um terço das pessoas que estão se divorciando agora têm mais de 50 anos”, diz Brown. “Não podemos mais ignorar esse grupo”.

A “revolução do divórcio grisalho”

A surpreendente separação de Al e Tipper Gore, ex-candidato democrata à presidência, que em 2010 anunciaram seus planos de divórcio após 40 anos de casamento, levou Brown e um colega a investigar os dados com uma pergunta que muitos americanos já se faziam: será que isso é comum?

Aliás, a pesquisadora não tinha certeza, mas estava cética. “Pode ser apenas um fenômeno entre celebridades”, lembra-se de pensar.

Não era.

Brown e I-Fen Lin descobriram que, de 1990 a 2010, a taxa de divórcio entre pessoas com mais de 50 anos nos Estados Unidos havia duplicado. Assim, eles a apelidaram de “a revolução do divórcio grisalho”.

A onda ainda está forte, tanto para celebridades quanto para pessoas não famosas. Mais recentemente, em 2021, Bill e Melinda Gates foram parar no noticiário quando anunciaram que estavam se divorciando após 27 anos de casamento. Ao norte da fronteira do país, nesta semana o primeiro-ministro canadense Justin Trudeau, 51 anos, anunciou que ele e sua esposa estavam se separando.   

Embora as taxas de divórcio para a população geral estejam em declínio, Brown diz que, “os mais velhos, a tendência é contrária”.

Portanto, para adultos com mais de 65 anos, a taxa de divórcio segue subindo.

“Ou seja, cada vez mais pessoas estarão envelhecendo provavelmente sozinhas e fora de um casamento”, relata a pesquisadora.

Por que mais pessoas estão dando esse passo

A advogada Susan Myres diz que, para algumas pessoas, pode parecer ilógico encerrar um casamento mais tarde na vida, especialmente quando a morte pode estar mais próxima.

Mas, como especialista em divórcio em Houston com décadas de experiência, ela ouviu muitas razões para clientes mais velhos se separarem.

“Uma cliente me disse: ‘eu não quero morrer ao lado daquele homem, estou fora’”. Conta Myres, observando que diferentes perspectivas sobre vacinas, máscaras e política durante a pandemia parecem ter desempenhado um papel em muitos casos recentes que foram parar no seu escritório de advocacia.

“Eu vi um aumento bastante acentuado de separações em casais maduros que têm filhos adultos e provavelmente alguns netos”, diz.

De acordo com a advogada, algumas pessoas mais velhas que abrem o processo de divórcio sentem que simplesmente se afastaram muito de seus cônjuges, enquanto outras sofreram abuso ou descobriram transgressões chocantes. Todos – incluindo alguns clientes na casa dos 80 anos – sentem que os anos de vida que restam são preciosos demais para gastar com a pessoa errada.

Novo recomeço

A linguagem que a advogada usa tenta ver o lado positivo da tendência. Em vez de usar o termo “divórcio grisalho”, ou “gray” em inglês, ela prefere fazer um trocadilho que a palavra “silver”, prata, em referência ao termo em inglês “silver lining”, semelhante ao nosso “copo meio cheio” dando a ideia de um novo recomeço independentemente da idade.

Assim, a artista Heyck diz que se divorciou na casa dos 50 anos depois que o filho fez 18.

“Minha união era mais um relacionamento de trabalho do que um casamento completo”, diz. Heyck conta que estava emocionalmente pronta para ficar sozinha.

Mas a transição financeira não foi fácil. Durante anos, ela lutou para pagar as contas, dividindo a casa com amigas e dormindo na casa de conhecidos até conseguir uma vaga numa moradia para sêniores que se ajustasse à sua renda.

“Sempre fui artista e vivia apertada financeiramente. Não tinha um plano de aposentadoria, pois sempre pensei que viveria casada. Essa foi a grande surpresa”, relata.

Assim, dificuldades financeiras após o “divórcio grisalho” são um problema que Brown diz que ela e outros pesquisadores têm estudado também.

Algumas pessoas tiveram uma queda significativa no padrão de vida – e isso, somado ao fato de que as taxas de pobreza em geral tendem a ser mais altas para os idosos, é preocupante.

“Eles estão repartindo o cofrinho da economia ao meio”, diz Brown. “Nossos dados de pesquisa nos permitem acompanhar as pessoas por uma década ou mais. No entanto, não vimos nenhuma evidência de recuperação significativa”.

Outra razão para viverem sozinhos

Algumas pessoas que passam pela separação nessa fase se casam novamente, e algumas se mudam com um novo parceiro ou outros membros da família. Nos primeiros anos após um “divórcio grisalho”. Diz Brown, cerca de 50% das pessoas acabam vivendo sozinhas.

Mas muitos idosos ou pessoas de meia idade que vivem sozinhas não passaram pelo divórcio.

Aliás alguns são viúvos, e uma parcela crescente nunca foi casada.

“Um dos fatores mais importantes ao olhar quantas pessoas vivem sozinhas é analisar se elas podem se dar ao luxo de fazer isso”, diz a pesquisadora e psicóloga Bella DePaulo. “Historicamente, as pessoas mais velhas, quando tinham seguro social e de saúde e essas linhas de apoio para a estabilidade financeira, podiam escolher viver sozinhas”.

DePaulo, que tem 69 anos e mora em Santa Barbara, Califórnia, orgulhosamente declara que foi solteira a vida inteira. Há anos, ela vem estudando pessoas solteiras e pressiona para que suas escolhas sejam levadas mais a sério.

“Há muitos de nós que não enxergam o morar sozinho como algum tipo de fardo, e sim abraçamos como algo que realmente amamos”, declara.

No entanto, viver sozinho, diz ela, não significa que você esteja solitário.

“Muitas pesquisas mostram que as pessoas solteiras são mais propensas a manter contato com seus amigos, parentes e vizinhos do que as pessoas casadas. É exatamente o oposto do estereótipo”, explica.

Mais baby boomers sozinhos e o que vem a seguir

O percentual de pessoas com mais de 65 anos que vivem sozinhas manteve-se relativamente consistente nos últimos anos, pairando em torno do seu nível atual de 28%. Mas, dado o grande tamanho da geração boomer, que inclui pessoas com idades entre 59 e 77 anos, o número total de idosos que vivem sozinhos está subindo, e espera-se que cresça ainda mais.

Especialistas dizem que isso pode ter consequências significativas em comunidades de todo o país. Especialmente se não for feito mais para fornecer melhores serviços sociais.

“Quem vai cuidar deles à medida que envelhecem é uma grande questão, uma vez que a maioria não está se casando novamente”, diz Brown.

Markus Schafer, professor associado de sociologia da Universidade Baylor que estuda envelhecimento e saúde, chama o caso de “fenômeno bilateral”.

“Muitas pessoas realmente acham atraente ter autonomia, sem ter picuinhas diárias sobre quem lava a louça ou onde é guardada a escova de dentes”, diz o professor. “Por outro lado, pesquisas consistentes descobrem que, embora muitas pessoas vivam bem sozinhas, elas relatam níveis mais altos de solidão em todo o mundo, e isso é com certeza mais pronunciado mais tarde na vida”.

Futuro do envelhecimento

Dadas as consequências bem documentadas e significativas para a saúde ligadas à solidão e ao isolamento social, pesquisadores e defensores estão tentando encontrar soluções para ajudar os americanos idosos a viver sozinhos antes que seja tarde demais.

“Há muita inovação e dinheiro de startups para o desenvolvimento de robôs de companhia, coisas como cães robóticos, o metaverso e a inteligência artificial. É algo em ascensão no Japão”, conta Schafer. “Eles estão nos mostrando como o futuro do envelhecimento pode ser aqui”.

Nos EUA, está claro que o futuro do envelhecimento envolverá mais milhões de pessoas vivendo sozinhas, segundo Jennifer Molinsky, diretora da Sociedade de Habitação e Envelhecimento do Centro Conjunto de Estudos de Habitação da Universidade de Harvard.

As projeções do centro preveem que o número de famílias unipessoais chefiadas por pessoas com mais de 75 anos irá subir nos próximos anos com o envelhecimento dos boomers, ultrapassando os 14 milhões até 2038.

Portanto para ela, mais opções de moradia são necessárias para que as pessoas possam envelhecer com segurança, em vez de ficarem presas em grandes casas unifamiliares.

“Muitas pessoas não estão alojadas com segurança, de forma acessível, em locais que são bem atendidos por transporte ou serviços de saúde. Há muitas necessidades, e isso precisa de mais atenção”, diz Molinsky.

O início de um novo capítulo

A artista Heyck diz que sabe muito bem a importância da habitação acessível e também a dificuldade de encontrar uma.

“No dia em que completei 62 anos, fiz minha inscrição para uma casa desse tipo. Aliás, levei quase cinco anos para sair da lista de espera”, relata.

No fim, ela conseguiu um lugar cobiçado em uma comunidade residencial sênior, onde seu aluguel é ajustado para combinar com sua renda. Depois de vários anos morando em um apartamento no local, Heyck diz que finalmente encontrou a estabilidade que há muito procurava.

“Tenho uma sensação de segurança que eu nunca tive. Contudo, sinto que minha conexão com minha comunidade e igreja me deu alegria e saúde”.

Recentemente, ela encontrou uma nova maneira de se conectar com seus vizinhos.

Heyck começou a fazer comédia stand-up sobre suas experiências.

“Eu tive maridos e namorados suficientes para ter algo a dizer”, diz, rindo.

“Sou uma septuagenária e ainda estou namorando. Aliás, isso sempre rende boas risadas”.

Enquanto permanece romântica e tendo encontros, mesmo depois de vários divórcios, Heyck diz que a facilidade e a emoção de viver sozinha nos últimos anos deixou uma coisa clara.

Sendo assim, não importa quem ela encontre, ela não quer viver com ninguém novamente.

Fontes: fab mg, head topics, cnn,jornalfloripa