Um austríaco, um americano e um francês dividem o prémio Nobel da Física de 2022
A Real Academia das Ciências Sueca atribuiu o prémio Nobel da Física de 2022 a três investigadores com trabalho feito na área dos denominados estados de “entrelaçamento” com fotões, que podem abrir novos caminhos à comunicação e à computação quânticas.
Então, Alain Aspect, da Universidade de Paris, de França; John F. Clauser, que trabalha na empresa J.F.
Clauser & Associate, nos EUA, e Anton Zeilinger, da Universidade de Viena, da Áustria, são os três laureados do Nobel da Física de 2022 anunciados esta terça-feira de manhã. Contudo, os três distinguiram-se por terem conseguido superar as dúvidas da comunidade científica sobre a Teoria Quântica.
“São prémios Nobeis esperados e indiscutíveis, que foram atribuídos a três experimentalistas, que conseguiram validar a mecânica quântica. São pessoas que já trabalham nesta área há algum tempo”, refere Carlos Fiolhais, professor de física com carreira feita na Universidade de Coimbra e um dos mais conhecidos divulgadores de ciência em Portugal.
Sendo assim, nem todos os cientistas podem dizer que conseguiram contrariar o físico Albert Einstein. Mas, os três laureados de 2022 não só enfrentaram as dúvidas do mais famosos dos físicos como ainda confirmaram que tinham razão.
“Tanto Aspect como Zeilinger começaram a trabalhar numa altura em que quase ninguém valorizava a física quântica. Tiveram os dois papéis pioneiros e contra a corrente, e tiveram de encontrar forma de apresentar provas experimentais de que o ”entrelaçamento” realmente se verifica e a teoria quântica não estava incompleta”, explica Yasser Omar, professor do Instituto Superior Técnico, e dirigente do Instituto Quântico Português.
“Entretanto, Einstein tinha dúvidas sobre a física quântica, que considerava que não estava ainda resolvida”, acrescenta Yasser Omar.
John Clauser, um dos pioneiros da mecânica quântica, e laureado do Nobel da Física de 2022
Tanto Zeilinger como Aspect fazem parte do Conselho Consultivo do Instituto Quântico Português, e têm relações com investigadores portugueses, como confirmam Carlos Fiolhais e Yasser Omar.
No que toca a John Clauser, é o comunicado da Real Academia Sueca das Ciências que lhe dá a primazia, com as primeiras experiências que têm por objetivo confirmar a Teoria Quântica. Zeilingir e Aspect viriam a retomar um pouco mais tarde essa linha de investigação – e já terão tirado partido da sofisticação dos instrumentos laboratoriais.
“É cada vez mais claro que uma nova tecnologia quântica está a emergir. Podemos ver que o trabalho dos laureados com os estados entrelaçados é de grande importância, até para ir além das questões fundamentais sobre a interpretação da mecânica quântica”, referiu Anders Irbäck, responsável pelo comité de escolha dos prémios Nobel da Física, em comunicado.
Por isso, na quântica, a teoria do “entrelaçamento” revela que duas partículas podem estar simultaneamente em locais – ou estados – diferentes, apesar de manterem um comportamento similar.
Dessa forma, a teoria haveria de abrir caminho à mecânica quântica e a uma nova geração de computadores e redes de telecomunicações, uma vez que permite desenhar sistemas que analisam duas hipóteses ou resultados em simultâneo e, assim, garantem um aumento de capacidade de cálculo e processamento de dados, quando estão em causa múltiplas variáveis ou alternativas.
Anton Zeilinger, cientista da Universidade de Viena, e laureado do Nobel da Física de 2022
Nas redes de telecomunicações, o “entrelaçamento” pode ser especialmente útil ao funcionar como alerta para intrusões, uma vez que permite detetar a alteração dos estados dos fotões que veiculam informação entre dois ou mais interlocutores que usam uma rede de fibra ótica ou comunicações de satélite.
Do mesmo modo que as partículas podem assumir diferentes estados, também os três laureados do Nobel da Física de 2022 são premiados por trabalharem a partir de diferentes geografias no único propósito de encontrar forma de pôr dois fotões a comportarem-se de forma similar, mesmo quando estão em estados ou locais diferentes.
Além de Albert Einstein, os três investigadores também tiveram de superar a teoria da Desigualdade de Bell, que admitia correlações entre partículas em diferentes estados – mas só até um certo limite, que viria a ser superado com as experiências levadas a cabo com fotões nos laboratórios em que trabalham Aspect, Clauser e Zeilinger.
“As primeiras experiências do Aspect emvolviam cenários com fotões que se encontravam (entrelaçados) a alguns metros de distância. Mas, essas experiências permitiram violar a desigualdade de Bell e confirmar que a Teoria Quântica estava completa e é uma teoria não-local, porque não diz unicamente respeito ao local onde se encontram os fotões, mas sim a todo o espaço em que haja transmissão de informação”, descreve Orfeu Bertolami, professor da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.
“A teoria quântica revelou estar certa, mesmo contra teorias que eram mais agradáveis”, sublinha Carlos Fiolhais. O físico português justifica “a estranheza” associada à quântica pelo facto de recorrer ao domínio das probabilidades e por admitir a interferências de quem estuda ou lê o mundo.
“O que é curioso é que a teoria (quântica) não mudou e estamos agora a começar a ver os primeiros resultados”, acrescenta Fiolhais.
Os primeiros supercomputadores quânticos já começaram a ser desenvolvidos por marcas como Google, IBM, ou D-Wave tendo como principal chamariz o aumento exponencial da capacidade de processamento, e também o desenvolvimento de sistemas que tanto garantem uma cifra mais robusta, como são ágeis a quebrar a cifra convencional que hoje é usada em milhões de computadores e redes de telecomunicações.
Sendo assim, ao contrário do que sucede com os supercomputadores, vários países já começaram a explorar o desenvolvimento de redes quânticas para garantirem comunicações protegidas entre eles Portugal.
Alain Aspect, investigador na Universidade de Paris e laureado do Nobel da Física em 2022
“Durante décadas, estas questões eram apenas filosóficas, mas hoje já existem tecnologias quânticas”, conclui Orfeu Bertolami. Aspect, Clauser e Zeilinger sabiam mesmo o que estavam a fazer.