Os protestos são contra exigência de vacina ou teste de Covid em espaços de lazer. Sem passe sanitário, franceses podem ser barrados em bares e restaurantes; medida faz parte de novo conjunto de restrições
Manifestantes criticam decisão do governo de exigir apresentação de um passaporte sanitário para entrada em locais como cinemas e restaurantes e obrigar profissionais da saúde a se vacinar.
Milhares de pessoas foram às ruas de diversas cidades francesas (14/07) para protestar contra novas restrições anticoronavírus anunciadas pelo governo. Em Paris, onde estima-se que cerca de 2.200 pessoas participaram da manifestação, a polícia chegou a disparar gás lacrimogêneo para dispersá-las.
Alguns protestos começaram logo pela manhã, coincidindo com a celebração anual da queda da Bastilha, enquanto o tradicional desfile militar acontecia ao longo da Avenida Champs-Élysées, na presença do presidente Emmanuel Macron. Cidades como Toulouse, Bordeaux, Montpelier e Nantes também registraram manifestações, com o número total de pessoas estimado em cerca de 19 mil em todo o país, segundo as autoridades francesas.
Os manifestantes expressaram descontentamento com a decisão anunciada pelo governo Macron na segunda-feira de obrigar os profissionais de saúde a se vacinarem, bem como de impor à população em geral a obrigatoriedade de apresentar um passaporte sanitário para entrar em locais públicos.
O comprovante deve permitir verificar se uma pessoa está totalmente vacinada há pelo menos 15 dias ou se ela fez recentemente um teste PCR negativo para que possa ter acesso a espaços de lazer e de cultura com mais de 50 pessoas. A partir de agosto, terá que ser apresentado também para frequentar cafés, bares, restaurantes e centros comerciais, bem como em hospitais e asilos, além de aviões, trens e até carros em caso de viagens de longa distância.
Críticos de Macron acusam o presidente de minar as liberdade individuais e discriminar quem não quer se vacinar.
“Abaixo a ditadura”, “abaixo o passaporte sanitário”, gritavam manifestantes.
Yann Fontaine, de 29 anos, argumentou que a imposição do certificado levaria à “segregação”. “Macron joga com o medo; é revoltante. Conheço pessoas que agora serão vacinadas apenas para que possam levar seus filhos ao cinema, e não para proteger outras pessoas das formas graves de covid”, disse ele.
“É totalmente arbitrário e completamente antidemocrático”, disse outro manifestante, que se identificou como Jean-Louis.
Procura por vacina sobe
Desde o anúncio das novas restrições, a França observou um número recorde de agendamentos para obter a imunização. O súbito interesse contrasta com a disponibilidade em se vacinar no início da pandemia, quando o país registrava um dos níveis mais altos de ceticismo da vacina entre países ricos.
O governo defendeu as restrições como uma forma de tentar evitar um aumento de casos da variante Delta, tida como mais contagiosa. Macron também anunciou que os testes de covid-19 do tipo PCR não serão mais gratuitos a partir de outubro, salvos os casos em que o teste seja obrigatório. O objetivo da medida é estimular a vacinação em detrimento dos testes.
“Não há nenhuma obrigação de se vacinar; é no máximo um incentivo”, disse o porta-voz do governo, Gabriel Attal. “Tenho dificuldade em compreender que, num país onde 11 vacinas já são obrigatórias […], isto pode ser visto como uma ditadura”, continuou, acrescentando que após um ano de testes, “já passou a fase das dúvidas”.
Multas e até prisão
Pouco dias antes, o presidente Emmanuel Macron anunciara o toque de recolher noturno, pois há algum tempo o número de contágios com o novo coronavírus vem crescendo vertiginosamente no país. Recentemente registraram-se 32 mil novos casos em 24 horas. “Precisamos baixar novamente as novas infecções para 3 mil a 5 mil por dia, aí teremos capacidades para cuidar delas”, declarou o chefe de Estado num entrevista televisiva.
Por isso os habitantes de Paris, Aix-Marseille, Lyon, Lille, Toulouse, Montpellier, Grenoble, Saint-Etienne e Rouen não podem sair à rua de noite, exceto para consultas médicas urgentes ou atender a intimações judiciais. Desacatos a essa ordem serão punidos com uma multa de 135 euros e, a partir da terceira infração, até 3.750 euros ou seis meses de prisão. A imposição deve ser estendida por seis semanas.
O epidemiologista Mircea Sofonea torce para que isso contenha suficientemente a propagação da doença respiratória. Ele pesquisa a pandemia de covid-19 na Universidade de Montpellier. “A maioria dos focos se cria no trabalho, na escola e na universidade. O toque de recolher, em princípio, paralisa menos a economia do que uma quarentena total.”
“Se os cidadãos simplesmente contornarem as regras, se encontrando mais cedo, então é provável que algumas cidades voltem a ter confinamento total”, adverte, embora esteja otimista: “O número de reprodução está só em 1,3 – ou seja, cada infectado contagia 1,3 outros. É possível reduzir esse número a menos de um. Aí a epidemia estaria novamente sob controle.”
ip/lf (AFP, Reuters)