Desconsiderar custos de alimentos e energia nos cálculos da Selic não reduziria a inflação
A desconsideração dos custos dos alimentos e da energia na definição da Selic não diminuiria a inflação do país. Especialistas ouvidos avaliam que essa abordagem não surtiria o efeito desejado. Em fevereiro, a inflação alcançou seu maior índice desde março de 2022 (entenda mais abaixo).
A sugestão foi feita pelo vice-presidente Geraldo Alckmin (24), dias após o Banco Central elevar a Selic para 14,25%, o maior nível desde 2016. Alckmin, que também é ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, é o presidente em exercício até o fim do mês, quando Luiz Inácio Lula da Silva retorna de viagem à Ásia.
Na avaliação de economistas e consultores, as alterações de custos de alimentos e energia nos cálculos da Selic não reduziriam a inflação, visto que serviriam apenas para “tapar o sol com a peneira” e “maquiar” os dados a fim de levar a uma queda artificial dos preços.
Por que desconsiderar custos não diminuiria a inflação?
O economista Hugo Garbe destaca que aderir à sugestão de Alckmin seria mudar as regras para ganhar o jogo. “É só uma forma de maquiagem. A inflação está alta, já superou a meta. Então, seria a forma que eles encontraram para reduzir a estatística, mas a inflação na economia real continuaria alta”, observa.
O coordenador do MBA em digital banking e gestão pública da Trevisan Escola de Negócios, Acilio Marinello, avalia que a sugestão de Alckmin expõe o governo ao demonstrar falhas na administração das despesas públicas.
“Em linhas gerais, mostra que o governo não está conseguindo articular dentro das Casas [Câmara e Senado] para aprovar as medidas necessárias, mas, principalmente, nas ações práticas na redução dos cortes das despesas”, comenta Marinello, que também é sócio-fundador da consultoria Essentia.
“As ações que estão sendo propostas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que é o trâmite de toda a reforma tributária e dos ajustes no cálculo do Imposto de Renda, de reduzir a carga para as pessoas que ganham menos e começar a tributar os mais ricos, não tratam do problema real, que é o déficit público”, completa.
Comparação com os EUA não se adequa à realidade brasileira
O consultor acredita que, enquanto as despesas não tiverem redução, a pressão sobre a inflação não vai ceder. Marinello aponta, ainda, que a comparação com os EUA usada por Alckmin não se adequa à realidade brasileira.
“São economias, dinâmicas e malhas energéticas completamente diferentes. O vice-presidente não mencionou que o custo da energia é caro para o brasileiro não por fatores externos, mas por uma malha de distribuição ineficiente e obsoleta”, destaca, ao mencionar que o custo da geração de energia no Brasil, em si, não é elevado.
“A distribuição é caríssima porque o sistema é ineficiente, antigo, vive tendo problemas de queda, os equipamentos são antigos. Então, a operação é cara por isso, não tem nada a ver com o conceito da cultura americana”, acrescenta.
Sobre desconsiderar a inflação dos alimentos no cálculo da Selic, Marinello observa que a justificativa de Alckmin não é de toda sem sentido. No entanto, o consultor volta ao argumento de “remediar o problema principal”.
“Tirar essas duas variáveis [energia e alimentos da Selic] é querer tapar o sol com a peneira. São gastos que toda a população sente, principalmente os mais pobres. Então, querer tirar isso para camuflar uma inflação irreal para que o Banco Central ceda e abaixe a taxa básica de juros para movimentar a economia não é o caminho. O caminho é o governo gastar menos. Dessa forma, os esforços deveriam ser para articular politicamente para reduzir os gastos públicos. Isso, sim, vai ajudar a abaixar a inflação e a taxa básica de juros”, completa o consultor.
Declarações de Alckmin
Em evento nessa segunda (20), o vice-presidente sugeriu que o BC altere a forma de calcular a Selic. Na avaliação dele, o índice elevado encarece o custo de capital, o que interfere na economia.
“Alimento é muito clima. Se eu tenho uma seca muito forte, uma alteração climática muito grande, vai subir o preço de alimento. E não adianta eu aumentar os juros que não vai fazer chover. Então, eu só vou prejudicar a economia”, declarou, ao citar os Estados Unidos.
“Então, eles [EUA] excluem do cálculo [inflação dos alimentos e energia]. Eu acho que é uma medida inteligente, e a gente realmente [pode] aumentar os juros naquilo que pode ter mais efetividade na redução da inflação”, afirmou Alckmin, ao defender que a redução da inflação é “essencial”.
“A inflação não é neutra socialmente, ela não é neutra, ela atinge muito mais o assalariado, que tem reajuste, normalmente, uma vez por ano e vê todo mês, todo dia, o seu salário perder o poder aquisitivo. Então, entendo, sim, que é uma medida que deve ser estudada pelo Banco Central brasileiro”, completou.
Inflação e Selic
O IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), que mede a inflação no Brasil, ficou em 1,31% em fevereiro, como mostrou o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), puxado, principalmente, pelo custo da energia. É o maior resultado desde março de 2022, quando o índice alcançou 1,62%. O dado foi, ainda, o mais elevado para o mês de fevereiro desde 2003.
Por fim, a inflação acumulada em 12 meses está em 5,06%, índice acima de 3%, teto estabelecido pelo Banco Central, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. A Selic é o principal meio usado pelo BC para alcançar a meta de inflação.
Fonte: R7