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Brasil deve sediar conferência sobre o clima (Cop30) sem consenso para a questão do marco temporal Foto: Agência Senado/Com

ONU pressiona, mas Brasil deve sediar COP30 sem solução para marco temporal

Conferência sobre o clima deve ocorrer sem consenso sobre marco temporal

Pressionado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e por movimentos sociais a garantir os direitos dos indígenas, o Brasil deve chegar à COP30, da qual é anfitrião, sem uma solução pronta para o impasse do marco temporal.

A falta de consenso em torno das discussões que ocorrem no Supremo Tribunal Federal (STF) deve dificultar a homologação de um acordo a tempo da conferência da ONU, que neste ano ocorre justamente no Pará, um dos principais Estados da Amazônia Legal.

A complexidade do debate praticamente inviabiliza uma resposta definitiva da Corte antes da COP30, que ocorre em novembro. O entorno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já acendeu um alerta para a possibilidade de protestos durante o evento.

Apresentada em fevereiro na comissão especial presidida pelo ministro Gilmar Mendes, a versão mais atualizada do texto não deixou ninguém satisfeito – nem os representantes dos indígenas, nem os do setor do agro, oponentes históricos em relação à pauta.

A minuta diz que a demarcação das terras indígenas independe da data da promulgação da Constituição Federal – ou seja, afasta a tese do marco temporal. Para “compensar”, o texto abre margem para mineração nesses territórios.

O juiz auxiliar Diego Veras, que trabalha junto a Gilmar, disse que praticamente todos os 94 dispositivos do texto foram “destacados” devido a divergências. “Salvou-se aqui talvez 5%”, estimou.

As dificuldades levaram o decano da Corte a suspender os trabalhos da comissão por 30 dias. A suspensão foi um pedido da Advocacia-Geral da União (AGU), que representa o governo federal na Justiça. A AGU solicitou mais tempo para avaliar a proposta.

Audiência de conciliação marcada para hoje (27)

A próxima audiência de conciliação está marcada para esta quinta-feira (27), mas não há expectativa otimista para uma solução uníssona. Fontes que acompanham as discussões dizem que as partes estão irredutíveis sobre o assunto, ou seja, não vão ceder.

O deputado Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), reclamou. “O cerne de toda a questão é justamente o marco temporal. Essa questão sofreu um esquecimento”, disse.

Já o trecho sobre a mineração pegou de surpresa o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), que considera a atividade danosa. Segundo a pasta, o tema não foi tratado pela comissão ao longo dos últimos meses – portanto, não houve “construção conjunta” a esse respeito.

A proposta veda a mineração sem prévia consulta aos povos originários. Contudo, permite que o presidente da República siga com a autorização mesmo com oposição da comunidade, se houver comprovação de que há interesse público e de que a atividade é imprescindível.

O que é o Marco Temporal

A tese do marco temporal prevê que só podem ser demarcadas as terras que já estivessem ocupadas por povos indígenas em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.

Em 2023, o STF considerou essa interpretação inconstitucional. Dias depois, em resposta, o Congresso Nacional aprovou uma lei para instituir o marco temporal na legislação, o que foi novamente judicializado na Corte.

Em vez de levar as ações a julgamento, Gilmar optou por abrir uma comissão especial, na tentativa de costurar um acordo. As reuniões começaram em agosto do ano passado, com encerramento previsto inicialmente para dezembro, mas até agora não houve consenso.

Sem essa perspectiva no horizonte, uma vez que o novo prazo de conclusão é 2 de abril, as ações devem ter encaminhamento ao plenário mais uma vez, para um reexame do caso.

Ou seja, na falta de um acordo, caberá mais uma vez ao STF dar a palavra final. O presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, já confirmou essa hipótese. “Se não houver acordo, vamos retomar a votação, pura e simplesmente.”

A própria ONU – por meio do relator especial do Conselho de Direitos Humanos, José Francisco Tzay – já criticou o Supremo por criar a comissão especial em vez de “bancar” a própria decisão que derrubou o marco temporal.

“Não está claro o que poderia justificar, em tão curto período de tempo, a rediscussão de um entendimento legal já determinado pela Suprema Corte”, disse Tzay em um comunicado. “Direitos dos indígenas não são alienáveis e não podem ser negociados.”

Além disso, a eventual permissão da mineração contraria compromissos firmados pelo Brasil em tratados internacionais. Em meio a um evento como a COP, que reúne representantes de mais de 190 países, isso poderia causar algum tipo de constrangimento.

Falta de regulamentação sobre a mineração e o garimpo

Por outro lado, fontes do governo brasileiro, do Supremo e das Forças Armadas entendem que a questão não é tão simples. Além disso, a falta de regulamentação sobre a mineração e o garimpo em terras indígenas pode acabar fortalecendo o crime organizado.

Nos corredores do STF, a avaliação é de que, por mais que ainda seja possível homologar um acordo sobre o marco temporal, já se pode observar uma série de avanços, com a pacificação de conflitos indígenas que duravam mais de 30 anos.

Além disso, uma série de decisões da Corte tem garantido os direitos dos indígenas, especialmente no âmbito da ação que, aberta desde a época da pandemia de Covid-19, monitora os processos de expulsão de invasores desses territórios.

Para aliados de Lula, o impasse do marco temporal não necessariamente enfraquece a imagem do presidente. A aposta é de que, perante a comunidade internacional, vá pesar mais o esforço do atual governo para reverter o desmonte ambiental perpetrado durante a gestão de Jair Bolsonaro.

Fonte: cnn