Animais que cultivam laços sociais se reproduzem mais; são pistas que levam pesquisadores a acreditar nos benefícios da amizade para a evolução humana
Estudo entre os grandes símios, mostra que os chimpanzés e os bonobos, tomaram dois caminhos evolutivos completamente opostos na hora de preparar seu sucesso reprodutivo.
Os chimpanzés trilharam o espinhoso trajeto da violência e da coação para assegurar a descendência. Isto é, os machos que mais batem nas fêmeas, por exemplo, têm mais chances de acasalamento.
Já os bonobos continuaram a rota da seda: os machos não sabem quando é o período fértil das fêmeas. Em contrapartida, elas dirigem o grupo em um matriarcado, apostando em acasalar muito para aumentar as probabilidades de ter uma prole.
Feldblum publicou um estudo na revista científica Cell, em que testa a ideia com um resultado chamativo.
Machos que mais têm contato com o macho alfa têm mais possibilidades de se reproduzir
De acordo com o pesquisador, os machos cultivam amizades porque isso funciona. Graças a décadas de dados reunidos no Parque Nacional de Gombe (Tanzânia) desde os tempos de Jane Goodall, os cientistas puderam analisar a descendência dos machos que estreitam laços com outros companheiros, comparando àqueles que não o fazem.
Assim, obtiveram dois resultados: o primeiro não é nada surpreendente. E outro, algo que já se sabia: os machos que mais têm contato com o macho alfa da comunidade ganham possibilidades de se reproduzir.
Faz sentido: neste patriarcado, o alfa controla as fêmeas e permite a seus amigos que acasalem. “Puxar o saco do chefe não é nenhuma novidade”, observa Anne Pusey, coautora do estudo, da Universidade Duke (EUA). Pusey passou três décadas organizando e digitalizando esse conjunto de dados único. E acrescenta: “Demonstramos que sempre valeu a pena”.
No entanto, os cientistas descobriram que machos que dedicam mais tempo a outros machos de médio escalão na comunidade multiplicam suas chances de ter descendência.
Um chimpanzé macho, por exemplo, tem 50% mais probabilidades de ter filhos se mantiver pelo menos duas fortes amizades com outros indivíduos equivalentes. Com exceção do alfa, a patente na hierarquia do grupo não impacta nas possibilidades de ter sucesso reprodutivo. Porém, evidencia sim, que ter muitos amigos aos quais dedicar tempo e cuidados. A estratégia não é a competição violenta, e sim uma colaboração entre companheiros.
Chimpanzés, Bonobos e pessoas
Em outras palavras, ao contrário do que se subentende ao simplificar a perspectiva evolucionista, a estratégia vitoriosa não é ser o mais forte ou agressivo, mas sim mais zeloso pelas amizades.
Feldblum acredita que são necessários mais estudos para entender como esses laços sociais levam ao sucesso. “Talvez o potencial para formar alianças agressivas com companheiros seja o que ajude os machos nas chances de acasalamento. Assim como, justamente a formação desses vínculos seja responsável por reduzir a necessidade de uma agressividade frequente. Mas, ainda precisamos investigar.”
O primatologista se pergunta: “Será que se o seu aliado estiver por perto, é mais provável que você acasale com uma fêmea no cio? Ou que ter aliados por perto protege você do assédio de outros machos? Ou será que, como seu aliado o apoiará se surgir um conflito, seus níveis de estresse são mais baixos e você pode dedicar mais energia aos esforços de acasalamento?”, questiona o primatologista.
Chimpanzés x Humanidade – O que podemos aprender ?
É a primeira vez que se estuda a influência da sociabilidade na capacidade reprodutiva dos machos, apontam os pesquisadores, porque esta perspectiva sempre foi aplicada unicamente às fêmeas.
De acordo com os pesquisadores, ter uma ideia mais clara dos benefícios destas relações sociais nos chimpanzés proporciona pistas sobre a evolução da amizade nos seres humanos, como explica Ian Gilby, principal autor do estudo. “Junto com os bonobos, os chimpanzés são nossos parentes vivos mais próximos e nos ajudam a identificar quais características da vida social humana são únicas.
Além disso, o estudo sugere que os laços fortes entre os machos têm raízes evolutivas profundas e proporcionaram a base para as relações mais complexas que vemos nos humanos”, diz Gilby, da Universidade Estadual do Arizona, em um comunicado à imprensa.
E acrescenta: “Este estudo também ressalta o valor de estudos de longo prazo, que são essenciais para compreender a biologia de uma espécie que vive durante muitas décadas e se reproduz lentamente”.