Um método de violência menos visível que a física, mas com o mesmo potencial de machucar
A violência doméstica, psicológica ou física, é um assunto que, infelizmente, preenche os noticiários diariamente. O levantamento publicado no Anuário Brasileiro de Segurança Pública revela um crescimento de 16,3% no número de ligações de violência doméstica no 190 e de 0,7% no número de feminicídios, sendo que em 81,5% dos casos, o responsável pela violência contra a mulher é o companheiro ou o ex-companheiro e, em 8,3% dos casos, o responsável pelo crime é outro parente da vítima.
Quando atuei como delegado na cidade de Campinas não era raro ver ocorrências desse tipo e, em muitos casos, as mulheres se sentirem amedrontadas em seguir com a denúncia. O aumento no número de ligações no 190 pode até ser visto como positivo, eis que cada vez mais as vítimas estão se posicionam, não se deixam calar, porém há diversas ocorrências de violência contra a mulher sem denúncia.
Muitas pessoas se questionam o porquê de as mulheres não denunciarem ou parecerem coniventes com o abuso.
Violência psicológica não é explícita
Isso é compreendido quando observamos que há violência que não é tão explícita, que não deixa marcas físicas visíveis, mas que causa sequelas tão profundas e que muitas vezes são assimiladas pelas mulheres as quais deixam de ocupar seu espaço, deixam de se expressar e, inclusive, passam a se sujeitar à agressão física.
As violências física e sexual são o extremo, porém, há mulheres que sofrem diariamente outros tipos de abuso como o abuso psicológico, patrimonial e moral. A Lei Maria da Penha constituiu um grande avanço, eis que tipificou a violência contra a mulher como sendo qualquer conduta que cause danos, constrangimento ou sofrimento, pelo simples fato de a vítima ser mulher.
A violência patrimonial ocorre, por exemplo, quando o parceiro controla o dinheiro e a impede de ter sua independência financeira. Ou seja, faz chantagem e ameaça deixá-la sem recursos financeiros para sobreviver.
Já a violência psicológica e moral ocorre quando ao se proferir frases (de cunho extremamente machista) do tipo: “tinha que ser uma mulher ao volante”; “reclama feito menininha”; “isso é serviço de mulher”; “ela está histérica”, “você é burra, gorda”, etc… Ora, tudo isso, além de pejorativo, denigre a imagem das mulheres. Além disso, quando uma mulher é enfática na apresentação de seus argumentos, não se deve dizer que é histérica, descontrolada ou qualquer coisa do tipo.
Não é incomum ouvir que advogadas, médicas, jornalistas e outras profissionais tenham sido desrespeitadas no exercício de suas profissões. No último ano, vimos algumas polêmicas quanto à conduta equivocada de alguns parlamentares em relação a mulheres. Como exemplo o deputado estadual que “passou a mão” na colega durante a sessão parlamentar, testemunhas e senadora constrangidas durante as sessões da CPI, entre outros absurdos que ganharam espaço no noticiário nacional.
Problema social grave
Vale dizer que o desrespeito não é só a agressão verbal, mas práticas perniciosas que continuam a ser empregadas no mercado de trabalho, entre elas a desigualdade de cargos e salários. Segundo pesquisa realizada pelo IBGE e divulgada no primeiro semestre deste ano, as mulheres receberam 77,7% do salário dos homens em 2019. Isso é ainda mais discrepante quando se observa nos dados levantados pela pesquisa. As mulheres têm, em média, mais tempo de capacitação do que os homens.
Ainda há muito a ser feito para coibir tais práticas. A violência psicológica e moral é, portanto, tão incapacitante quanto a violência física, é um problema social grave. Assim, não há como ficar inerte diante de tantos abusos vistos no dia a dia!
Devemos, portanto, ser vigilantes quanto a qualquer tipo de agressão, incluindo-se os comentários depreciativos, intimidatórios e desrespeitosos. Que se combata com o mesmo rigor que qualquer violência física. As empresas, entidades de classe e toda a sociedade têm um importante papel nessa luta. Podem não só promover ações de educação para conscientização, mas também criar canais de denúncia e acolhimento às vítimas.
– Fernando Quércia, advogado, sócio da FQC advogados