Especialistas ouvidos disseram que a Corte tem a possibilidade de aliviar os efeitos negativos da chamada “guerra às drogas”
O Supremo Tribunal Federal (STF) deve analisar na quinta-feira (1) o processo que discute a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio. O caso é o terceiro da pauta para a sessão plenária do dia.
O julgamento do tema começou na Corte em 2015 e será retomado agora. Já há três votos de ministros: do relator, Gilmar Mendes, de Edson Fachin e de Luís Roberto Barroso.
Em discussão está a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, de 2006. A norma estabelece que é crime adquirir, guardar ou transportar drogas para consumo pessoal.
O caso tem repercussão geral reconhecida, ou seja, o entendimento firmado pelo STF neste julgamento deverá balizar casos similares em todo o país.
Especialistas ouvidos disseram que a Corte tem a possibilidade de aliviar os efeitos negativos da chamada “guerra às drogas”, ao definir a descriminalização do porte para consumo. A medida, avaliam, já é adotada em outros países e pode contribuir para aprimorar o combate à criminalidade organizada e a tratar usuários pelo viés da saúde pública.
STF e a descriminalização das drogas
Essa posição, no entanto, não está dada, seja porque há dúvidas quanto aos votos de outros ministros ou mesmo pelo fato de que algum magistrado pode pedir vista e interromper a análise mais uma vez.
Apesar de haver em casos de vista um prazo de 90 dias para que o processo seja devolvido, a retomada do julgamento ainda fica condicionada à colocação na pauta de alguma sessão. O que depende de uma decisão da Presidência da Corte.
Há, ainda, a percepção de ministros de que definições mais específicas sobre o tema deveriam ficar com o Congresso. Nessa espécie de “vácuo” legal, a discussão é se caberia ao Judiciário estabelecer parâmetros, ainda que provisórios, para diferenciar traficante de usuários, por exemplo.
Iniciado há quase oito anos, o julgamento já tem três votos para não mais considerar crime o porte de maconha para consumo próprio. Votaram neste sentido os ministros Gilmar Mendes que entendeu que deveria valer para todas as drogas, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, que restringiram seus posicionamentos ao uso da maconha.
Entenda a seguir a posição de cada um.
STF: Porte de drogas para consumo próprio
Relator do caso, Gilmar Mendes votou para descriminalizar o porte para consumo pessoal de todas as drogas. Na avaliação do ministro, a criminalização estigmatiza o usuário e compromete medidas de prevenção e redução de danos. Além de gerar uma punição desproporcional ao usuário.
Seu voto foi proferido ainda em 2015. Ao votar pela descriminalização, Gilmar propôs que não haja mais consequências penais a quem usar droga. O ministro, no entanto, defendeu a manutenção de sanções administrativas, com exceção da pena de prestação de serviços à comunidade.
Assim, Gilmar também votou para fixar regras quando houver prisões em flagrante por tráfico de drogas. Nesses casos, para validar a conversão à prisão preventiva (que não tem prazo para acabar), o ministro propôs que o preso seja apresentado a um juiz para avaliar as circunstâncias e evitar que usuários sejam detidos preventivamente por tráfico sem provas suficientes.
O magistrado afirmou em seu voto que a lei no Brasil conferiu tratamento distinto aos diferentes graus de envolvimento na cadeia do tráfico, mas não foi objetiva em relação à distinção entre usuário e traficante. “Na maioria dos casos, todos acabam classificados simplesmente como traficantes”, disse.
O ministro mencionou em seu voto um levantamento de 2012 realizado em cerca de 20 países em que o consumo foi descriminalizado. Assim, o estudo revelou que em nenhum deles houve aumento significativo do uso regular de drogas. “A comparação entre países pesquisados demonstra que a criminalização do consumo tem muito pouco impacto na decisão de consumir drogas”, disse.
“O uso privado de drogas é conduta que coloca em risco a pessoa do usuário. Ainda que o usuário adquira as drogas mediante contato com o traficante, não se pode imputar a ele os malefícios coletivos decorrentes da atividade ilícita”, afirmou.
Gilmar ressaltou que a descriminalização do uso não significa a legalização ou liberalização da droga. “Embora a conduta passe a não ser mais considerada crime, não quer dizer que tenha havido liberação ou legalização irrestrita da posse para uso pessoal, permanecendo a conduta, em determinadas circunstâncias, censurada por meio de medidas de natureza administrativa”, explicou.
Porte de maconha com critérios do Executivo
O ministro Edson Fachin votou para descriminalizar só o porte da maconha para consumo próprio, já que o caso concreto analisado na ação trata dessa droga. O magistrado explicou ser favorável a um caminho de “autocontenção” da Corte em temas penais para justificar a restrição do entendimento só à maconha.
Para Fachin, cabe ao Congresso definir os parâmetros de diferenciação entre usuários e traficantes. Contudo, o ministro entendeu que o Judiciário deve atuar até que haja lei preenchendo o vácuo normativo.
Para isso, o magistrado votou no sentido de o STF declarar como atribuição do Legislativo o estabelecimento de quantidades mínimas de porte de droga para o enquadramento em consumo próprio ou em tráfico.
Enquanto não houver lei aprovada sobre o tema, o ministro propôs que órgãos do Poder Executivo. Como o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, estabeleçam parâmetros provisórios.
“Se o legislador já editou lei para tipificar como crime o tráfico de drogas, compete ao Poder Legislativo definir os parâmetros objetivos de natureza e quantidade de droga que devem levar em conta para diferenciação, a priori, entre uso e tráfico de maconha”, afirmou.
Porte de maconha com critérios do STF
O ministro Luís Roberto Barroso também votou a favor de descriminalizar o porte de maconha para consumo próprio. Mas avançou ao propor a fixação de parâmetros de diferenciação entre traficantes e usuários.
Aliás, a proposta ficou estabelecida no porte de 25 gramas de maconha ou a plantação de até seis plantas fêmeas. Acima disso, a princípio, o caso seria de tráfico.
As quantidades, no entanto, não são fixas. Ou seja, desde que fundamentado, o juiz pode considerar traficante alguém que porte menos que 25 gramas, ou usuário alguém que leve consigo mais do que isso.
A proposta de parâmetros também é provisória, até que o Congresso decida sobre o tema.
Barroso afirmou em seu voto que o fato de ter se posicionado em favor da descriminalização não significa um incentivo ao consumo de drogas. Para o ministro, os focos do debate devem ser as melhores formas de desincentivar o consumo, tratar os dependentes e combater o tráfico.
Segundo o magistrado, a criminalização do uso de maconha para uso pessoal fere o direito à privacidade. O ministro fundamentou seu voto dizendo que o Estado não pode interferir na autonomia do indivíduo, que Barroso considera um núcleo essencial e intangível da liberdade, que, de acordo com ele, é valor essencial nas sociedades democráticas.
A avaliação de Barroso foi a de que descriminalização do uso da maconha deve ser um passo inicial para testar se essa política pública é melhor do que o que chamou de “guerra perdida” contra as drogas.
Assim, Barroso também citou consequências da criminalização das drogas, não só da maconha, para o aumento do encarceramento da população.
Fonte: Cnn