Muitas pessoas apelam para o quiet quitting para não precisarem ser elas a tomarem a iniciativa de terminar
Você já deve ter ouvido falar em ‘quiet quitting’ ou ‘quiet dumping’ no ambiente de trabalho. Essa expressão, que pode ou não estar relacionada ao desejo de ser demitido, sugere que um profissional se limite a fazer apenas o que tenha de ser feito, sem ir além. Algo como entregar pelo que está sendo pago para fazer. A demissão pode ser uma consequência, mas sem surpresas.
No entanto, esse termo vem sendo atualizado e expandido para os relacionamentos. Segundo a psicóloga Caroline Busarello Bruning, existe uma similaridade com o universo de trabalho. Mas esse comportamento pode ter efeitos mais dolorosos quando há outra pessoa envolvida e que acaba afetada pelo descaso.
“No relacionamento, significa você fazer o mínimo para que ele só se mantenha, sem terminar com o outro. E esse mínimo geralmente vai decrescendo gradativamente. Muitas pessoas, inclusive, apelam para o quiet quitting para não precisarem ser elas a tomarem a iniciativa de terminar”, explica.
A psicóloga Paloma Gomes aponta algumas características similares com o movimento realizado dentro do mundo corporativo:
“É como uma desistência silenciosa, de não se esforçar mais tanto no trabalho até que, de alguma forma, essa pessoa seja demitida. Isso é basicamente a mesma coisa, porque estar em um relacionamento também requer trabalho e manutenção.”
As especialistas ajudam a esclarecer as principais dúvidas sobre essas experiências presentes em muitas relações, e orientam com exemplos práticos como decifrar e buscar caminhos para tentar reverter o indício de desinteresse (quando ainda há tempo!).
O que indica o quiet quitting no relacionamento
É quando você vai desistindo silenciosamente. Essa é a definição de Paloma Gomes sobre o quiet quitting, seguindo a tradução do termo para o português. “Você segue ali ou não faz nem o mínimo, não faz uma manutenção no relacionamento, não tem interesse no seu parceiro, já não quer mais estar naquela posição. Mas também não sabe como sair dela”, indica a especialista.
Tomar a iniciativa do rompimento não costuma ser uma prioridade para a pessoa que entra no efeito do “término silencioso”. “Existe uma mítica em torno da pessoa que termina, que sai da relação sem créditos, que no caso de se arrepender tem que correr atrás, que sai como vilã”, justifica Caroline Bruning.
E é mais comum do que se imagina esse sentimento de não querer sair do relacionamento por conta da culpa pelo outro ficar mal ou mesmo porque a pessoa não quer ser vista como ruim por ter terminado: “Elas não percebem isso, vejo muito no consultório. Há uma preocupação com o julgamento.”
Quais são os principais motivos das pessoas aderirem ao quiet dumping
As razões pelas quais as pessoas seguem o caminho do quiet quitting nem sempre são muito claras, apontam as especialistas. E um dos pontos está relacionado ao distanciamento de uma pessoa da outra, já que também pode ser preciso de um certo tempo para que ela comece a entender o motivo desse movimento e o que ela quer.
Paloma Gomes ressalta que pode ser um conjunto de comportamentos. “Pode ser fuga, culpa, comodismo ou tudo isso junto e um pouco mais. Normalmente, as pessoas que optam por essa desistência da relação querem evitar algum tipo de confronto, não querem ser culpadas por magoar ou chatear o outro, então vão evitando se envolver numa discussão”, destaca.
E o comodismo, segundo ela, costuma estar mais associado aos relacionamentos duradouros: “A pessoa já está acostumada com aquela relação, ou já tem uma família estruturada, vai mantendo a situação do jeito que está e se a outra parte não quiser, ela que termine.”
A psicóloga afirma que costuma perceber com mais frequência o comportamento de se evitar a culpa: “Para que o outro termine e pelas dificuldades de lidar com o confronto.”
Como decifrar alguns sinais do afastamento silencioso no relacionamento
Será que é possível identificar alguns sinais de que a relação está caminhando para um quiet dumping? As psicólogas apontam algumas pistas mais evidentes:
- Quando as pessoas não conversam a respeito;
- Uma das partes está sempre monossilábica, está sempre ‘tudo bem, tanto faz’;
- Uma das partes, ou ambas as partes, nunca estão dispostas a fazer uma coisa diferente em casal.
- Uma das partes está tentando puxar a outra junto, mas já não pensam em equipe;
- Falta de energia para fazer as coisas;
- Poucas atividades em conjunto;
- A pessoa não mostra interesse nas vida e nas conquistas da outra;
- Falta de diálogo, indiferença.
Diante desses sinais, Paloma alerta sobre o trabalho mental que é envolvido para se tentar decifrar o que está acontecendo com o outro: “Porque o outro não está comunicando. Se você já sente que precisa tentar entender o que está acontecendo, sem que o outro diga, você está tendo um trabalho mental extra. Já é um sinal de alerta.”
Os ideais irreais também podem contribuir para esse movimento. “Um grande influenciador no quiet quitting são os ideais irreais, muitas vezes propagados por outras pessoas na internet, de como uma relação devia ser. Elas se agarram na primeira referência que elas têm e acabam comprando esses ideais e sabotando suas relações, por não saberem conversar”, indica Caroline.
A ‘vítima’ do quiet quitting percebe o que está acontecendo?
A resposta é que sim, muitas vezes essa parte da relação pode perceber que está sendo vítima de um afastamento silencioso, mas prefere fingir que está tudo bem. “Mesmo que não seja uma coisa muito consciente. Mas por medo que a relação acabe”, afirma Carol Bruning.
Paloma Gomes cita uma pintura como exemplo: “É como se você estivesse olhando para uma pintura e, do nada, sente que alguma coisa naquela pintura está diferente, mas que você não consegue dizer exatamente o que é. Você só sabe que mudou. Então, a pessoa que está sofrendo o quiet quitting percebe, sente que tem alguma coisa diferente, mas é como se não tivesse indícios suficientes para saber o que está acontecendo.”
“Ela também pode perceber que a outra está distante, mas naquele momento ela está presa na idealização. E vai buscar justificativas com ‘é o jeito dela’, ‘vai mudar’, ‘é só hoje’, ‘o problema sou, por isso ela está distante’, ‘eu sei que eu errei, se está quieto é porque eu fiz alguma coisa’, e assim vai tentando justificar e amar por duas pessoas”, destaca Bruning.
Por trás dessas justificativas pode haver algo mais profundo, como insegurança, autoestima baixa, traumas de outros relacionamentos, medo de abandono, medo de rejeição. “Eu insisto e a outra pessoa só não está a fim de me dar nada. Eu fico esperando uma hora que isso vai se reverter”, explica a psicóloga.
Dicas de especialistas para tentar reverter a situação de quiet quitting
O melhor caminho é sempre o diálogo. Essa é a afirmativa das especialistas. O problema é que por mais que um dos lados esteja disponível para a conversa, pode ser que a pessoa que está fugindo de forma silenciosa do relacionamento não esteja disposta ao diálogo. “Essa é uma fase bastante difícil. A pessoa escolhe não conversar comigo, não trocar coisas comigo, não me explicar o que está acontecendo e não tentar se comunicar. Mas essa também é uma forma de se comunicar”, aponta Carol.
A orientação da psicóloga neste momento é que se procure uma boa rede de apoio, como os amigos ou pessoas com quem você tenha uma abertura mais íntima e que você confia: “E a busca por um terapeuta, de um profissional de psicologia, para ajudar a te fortalecer e entender que isso é o máximo que você vai ter nessa relação, que pode ser que não seja o suficiente para você e que você merece mais.”
E quando a sua parceria não está sendo recíproca com você, qual é o sentido de continuar nessa relação? Essa é a reflexão que a psicóloga Paola Gomes sugere para a pessoa que já percebeu estar envolvida no quiet quitting. “Você também pode se questionar qual o sentido de continuar com essa pessoa, com essa relação. E buscar o que é melhor para si, não apenas para ambos”, aconselha.
Confira algumas orientações das psicólogas para esse momento de diálogo:
- Seja honesto consigo mesmo e com o outro. Diga o que vem percebendo, de como está sentindo, de como está se sentindo sozinha e desamparada, de que não está se sentindo ouvida. E diga algo como ‘eu percebo que você já não faz mais isso, que não tem interesse em planejar coisas comigo’;
- Seja honesto e dê espaço para que o outro também possa dizer o que vem pensando e sentindo;
- Cuidado para não soar defensivo ou acusatório. Uma boa dica é começar com frases como ‘eu estava para falar contigo, eu tenho a impressão de que a gente está distante, você sente isso também?’, ou ‘às vezes, sinto que eu falo contigo mas parece que você não está me ouvindo, está tudo bem?’
- Outra forma é lembrar de alguma situação na conversa, como ‘te convido para jantar, você não quer, eu preciso que você saiba que eu fico triste, porque sinto que estou tentando que a gente faça coisas juntos e não vejo o mesmo esforço do seu lado, tem alguma outra atividade que você toparia para a gente se aproximar mais?’
- Ou ainda pode ser mais objetivo: ‘poxa, eu não gosto quando me vejo numa situação em que sinto que, de alguma forma, estou tentando resgatar a nossa essência, a nossa relação, e parece que estou sozinha’. E a pessoa pode dizer que não tem nada a ver e negar.
- No caso de a pessoa responder na defensiva e negar que aquilo esteja acontecendo, que é um exagero e não quer essa conversa, o conselho para este caso é dizer algo como ‘então tudo bem, eu só queria que você soubesse como estou me sentindo’. Você nunca está errado quando fala como está se sentindo, o outro pode não concordar, mas todo mundo tem o direito de se expressar afetivamente. Convide o outro para refletir sobre o assunto.
“Criar um espaço seguro para que os dois possam se comunicar e falar tudo o que pensam, sem que isso necessariamente vire uma discussão, é uma possibilidade de dar continuidade ou não a essa relação. O ideal é não precisar tentar convencer o outro de que ele precisa ficar na relação. Se ele não quiser mais, deixe ir. E você vai lidar com o seu sofrimento, ninguém mais”, ressalta Paloma Gomes.
Fonte: gshow