Os mapas de risco climático indicam que a produção de alface em local aberto no Brasil pode desaparecer até 2100
A produção de alface em campo aberto no Brasil pode deixar de ser uma realidade até 2100. Mapas de risco climático elaborados pela Embrapa Hortaliças (DF), em parceria com o Inpe e com base nos modelos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), indicam que praticamente todo o território nacional enfrentará risco alto ou muito alto para cultivar a hortaliça mais consumida do país.
A pesquisa avaliou dois cenários: um otimista, com redução parcial das emissões de gases de efeito estufa, e outro pessimista, com emissões em crescimento até o fim do século. Em ambos, a situação é desfavorável. O verão surge como a estação mais crítica, com temperaturas que podem ultrapassar os 40 °C em grandes áreas do país. Dessa forma, sendo muito acima do ideal para o desenvolvimento da alface, que exige clima ameno e umidade equilibrada.
“Entender como as mudanças climáticas afetam a produção de alface em um país tropical é fundamental para antecipar impactos e evitar perdas”, afirma Carlos Eduardo Pacheco, pesquisador da Embrapa na área de Mudanças Climáticas Globais.
Cenários para a alface até 2100
Os mapas foram construídos a partir da base de dados Projeções Climáticas, do Inpe, com resolução espacial de 20 km². O modelo ETA, validado para o Brasil e a América Latina, projetou temperaturas mínima, média e máxima em diferentes estações ao longo de quatro períodos: até 2040. Entre 2041 e 2070. Entre 2071 e 2100 e o histórico de 1961 a 1990.
No melhor cenário (RCP 4.5), entre 2071 e 2100, 79,6% do território brasileiro apresenta risco alto para o cultivo de alface e 17,4% risco muito alto. Já no pior cenário (RCP 8.5), 87,7% da área nacional fica sob risco muito alto, restando apenas 11,8% com risco alto. “Os mapas deixam claro que hortaliças são muito mais vulneráveis ao clima do que grandes culturas como milho ou soja. Sistemas adaptados são urgentes”, ressalta Pacheco.
Sobretudo, as altas temperaturas trazem consequências imediatas. O florescimento precoce ocorre quando a planta é exposta a médias acima de 25 °C, levando à perda do padrão comercial. Já a chamada queima de borda, conhecida como tipburn, é uma desordem provocada pelo rápido crescimento das folhas em ambientes quentes e úmidos, que prejudica o transporte de cálcio e causa manchas escuras.
O engenheiro-agrônomo Fábio Suinaga, pesquisador em melhoramento genético da Embrapa Hortaliças, alerta: “a alface depende de temperatura amena e boa umidade para se desenvolver. Os números projetados são preocupantes, já que a espécie não possui capacidade de adaptação significativa a temperaturas extremas, sobretudo na fase de germinação, que exige menos de 22 °C”.
Cultivares resistentes e novas práticas
Para reduzir riscos, a Embrapa vem desenvolvendo cultivares mais tolerantes ao calor. Um exemplo, contudo, é a alface BRS Mediterrânea, de ciclo precoce e sistema radicular vigoroso, o que diminui a exposição ao calor e amplia o aproveitamento de água e nutrientes.
No campo, produtores já observam ganhos. Rodrigo Baldassim, de São José do Rio Pardo (SP), explica: “essa cultivar responde por 80% do meu plantio de alface crespa. Ela aguenta melhor as altas temperaturas, entrega maior volume de folhas, demora mais para florescer e não apresenta queimadura de borda”.
Todavia, além de novas variedades, os pesquisadores apostam em sistemas produtivos mais resilientes, como o plantio direto de hortaliças, o cultivo orgânico com compostagem e bioinsumos. E o uso de estufas ou ambientes controlados.
Os mapas de risco climático já estão disponíveis na plataforma Geoinfo, da Embrapa. Todavia, a próxima etapa incluirá a base de dados WorldClim. Com resolução 20 vezes mais precisa, além dos modelos do Sexto Relatório de Avaliação (AR6) do IPCC. Desse modo, o objetivo é mapear também outras hortaliças de grande relevância, como tomate, batata e cenoura.
Por fim, segundo Pacheco, a pesquisa avança em duas frentes. “De um lado, materiais genéticos mais tolerantes ao calor; de outro, tecnologias de produção adaptadas ao novo regime climático. Esse é um passo estratégico não só para a agricultura, mas também para a segurança alimentar”.
Fonte: forbes