Um levantamento realizado pelo g1 sobre as loterias municipais apontam que:
- Três das cidades tiveram leis aprovadas, mas ainda não foram sancionadas pelos prefeitos para entrarem em vigor;
- 39 leis foram sancionadas por prefeitos, mas ainda não avançaram;
- 17 prefeituras estão em fase de estudo ou de implantação da loteria;
- 17 municípios estão na última etapa: aguardam a conclusão de editais ou licitações para contratar empresas que irão operar as loterias e/ou bets;
- e uma está em funcionamento, em Bodó (RN).
Prefeituras aprovam leis para criar mais de 70 loterias municipais; governo diz que são irregulares
O objetivo das prefeituras, segundo os documentos consultados pelo g1, é gerar arrecadação de forma prática e rápida para financiar serviços públicos. Como saúde, educação e assistência social. Algumas leis municipais definem taxas sobre as empresas que operarem os jogos, que variam entre 2% e 5%.
A ‘brecha legal’ e a interpretação dos municípios
Apesar do avanço dessas iniciativas por parte dos municípios, a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), do Ministério da Fazenda, considera que é irregular a criação dessas loterias municipais.
A pasta afirma que a Lei 14.790/2023, que regulamentou as apostas de quota fixa, define que apenas a União, estados e o Distrito Federal podem explorar esse tipo de serviço. O texto da lei não cita os municípios.
“A interpretação dos municípios é que, por não existir proibição expressa, eles estão autorizados a criar suas loterias municipais. Como a lei não diz nada especificamente sobre as cidades brasileiras e, até o momento, o Supremo não mandou suspender nada, [os municípios] podem legislar e explorar esse tipo de serviço”, analisa a professora Telma Rocha, de Direito Constitucional e Administrativo da Universidade Mackenzie Alphaville.
O pesquisador da FGV Direito Rio e autor do livro “Direito e regulação das apostas no Brasil”, Luiz César Loques, diz por sua vez que “o boom do setor” de bets “fez com que municípios ficassem mais atraídos a explorar esse tipo de atividade”, com foco em arrecadar mais dinheiro enquanto aguardam que o STF analise uma ação que trata de loterias municipais.
“O problema é que o STF [ainda] não se manifestou sobre o assunto”, diz Loques.
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1212 vai decidir se as cidades podem ou não explorar esse tipo de atividade. A última movimentação aconteceu em 17 de setembro de 2025, quando houve repasse do texto à Procuradoria-Geral da República.
Como funcionam as loterias municipais
Até agora, apenas uma cidade colocou seu projeto em prática e tem loteria em funcionamento: Bodó, no Rio Grande do Norte. Todavia, o prefeito Marcelo Mário Porto Filho (PSD) sancionou a Lotseridó em 3 de julho de 2024.
As empresas que desejam operar jogos virtuais precisam se credenciar na plataforma do município, enviar relatórios mensais detalhados sobre transações e repassar 2% da receita bruta obtida. Contudo, a lei aprovada destina o montante arrecadado a programas de assistência social e desenvolvimento local.
O governo federal informou que disponibiliza, em seu site, a lista de empresas de apostas de quota fixa autorizadas a funcionar em âmbito nacional. E notifica e solicita a derrubada pela Anatel à medida que identifica sites irregulares que ofereçam apostas ou loterias.
O g1 questionou novamente a Prefeitura de Bodó sobre o valor arrecadado desde o início da loteria municipal e o motivo de ter liberado empresas que não são autorizadas pelo Ministério da Fazenda. Mas não recebeu uma resposta até a publicação desta reportagem.
Sobretudo, o Ministério da Fazenda notificou a prefeitura em fevereiro com alerta de que a prática de concessão de registros para apostas fere a legislação vigente sobre loterias no país.
Riscos e próximos passos
Segundo especialistas, a proliferação de loterias municipais pode trazer riscos para o mercado de apostas e para o apostador, entre eles:
- Proteção reduzida: a lei federal exige que empresas de apostas paguem uma outorga (uma espécie de taxa para funcionamento) de R$ 30 milhões e sigam rígidas regras de compliance. A criação de legislações municipais reduz essas exigências e pode diminuir a proteção do consumidor.
Fonte: g1