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Prefeituras aprovaram leis para criar mais de 70 loterias municipais. Objetivo das prefeituras, é gerar arrecadação de forma prática e rápida para financiar serviços públicos. Foto: Reprodução

Prefeituras aprovam leis para criar mais de 70 loterias municipais; governo diz que são irregulares

Após o governo federal regularizar as apostas de quota fixa, prefeituras de 77 municípios brasileiros aprovaram leis para criar loterias municipais

Desde que o governo federal regularizou, em dezembro de 2023, as apostas de quota fixa, prefeituras de todo o país têm aprovado leis para criar loterias municipais, incluindo plataformas de cassino online. Pelo menos 77 municípios brasileiros já adotaram essa medida, embora o governo federal considere esse movimento irregular.

Um levantamento realizado pelo g1 sobre as loterias municipais apontam que:

  • Três das cidades tiveram leis aprovadas, mas ainda não foram sancionadas pelos prefeitos para entrarem em vigor;
  • 39 leis foram sancionadas por prefeitos, mas ainda não avançaram;
  • 17 prefeituras estão em fase de estudo ou de implantação da loteria;
  • 17 municípios estão na última etapa: aguardam a conclusão de editais ou licitações para contratar empresas que irão operar as loterias e/ou bets;
  • uma está em funcionamento, em Bodó (RN).

Dos 77 municípios que aprovaram leis sobre loterias, 10 declararam que querem operar especificamente bets — como são chamadas as marcas das empresas que oferecem apostas de quota fixa. Enquanto outras contemplam diferentes jogos, como sorteios de dezenas em datas e horários definidos.

Prefeituras aprovam leis para criar mais de 70 loterias municipais; governo diz que são irregulares

O objetivo das prefeituras, segundo os documentos consultados pelo g1, é gerar arrecadação de forma prática e rápida para financiar serviços públicos. Como saúde, educação e assistência social. Algumas leis municipais definem taxas sobre as empresas que operarem os jogos, que variam entre 2% e 5%.

A ‘brecha legal’ e a interpretação dos municípios

Apesar do avanço dessas iniciativas por parte dos municípios, a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), do Ministério da Fazenda, considera que é irregular a criação dessas loterias municipais.

A pasta afirma que a Lei 14.790/2023, que regulamentou as apostas de quota fixa, define que apenas a União, estados e o Distrito Federal podem explorar esse tipo de serviço. O texto da lei não cita os municípios.

Além dessa lei, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em 2020 que a União não tinha exclusividade na exploração de loterias e estendeu esse direito aos estados. A partir disso, especialistas consideram que a falta de uma legislação sobre as cidades brasileiras abriu brecha para uma livre interpretação.

“A interpretação dos municípios é que, por não existir proibição expressa, eles estão autorizados a criar suas loterias municipais. Como a lei não diz nada especificamente sobre as cidades brasileiras e, até o momento, o Supremo não mandou suspender nada, [os municípios] podem legislar e explorar esse tipo de serviço”, analisa a professora Telma Rocha, de Direito Constitucional e Administrativo da Universidade Mackenzie Alphaville.

O pesquisador da FGV Direito Rio e autor do livro “Direito e regulação das apostas no Brasil”, Luiz César Loques, diz por sua vez que “o boom do setor” de bets “fez com que municípios ficassem mais atraídos a explorar esse tipo de atividade”, com foco em arrecadar mais dinheiro enquanto aguardam que o STF analise uma ação que trata de loterias municipais.

“O problema é que o STF [ainda] não se manifestou sobre o assunto”, diz Loques.

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1212 vai decidir se as cidades podem ou não explorar esse tipo de atividade. A última movimentação aconteceu em 17 de setembro de 2025, quando houve repasse do texto à Procuradoria-Geral da República.

Como funcionam as loterias municipais

Até agora, apenas uma cidade colocou seu projeto em prática e tem loteria em funcionamento: Bodó, no Rio Grande do Norte. Todavia, o prefeito Marcelo Mário Porto Filho (PSD) sancionou a Lotseridó em 3 de julho de 2024.

As empresas que desejam operar jogos virtuais precisam se credenciar na plataforma do município, enviar relatórios mensais detalhados sobre transações e repassar 2% da receita bruta obtida. Contudo, a lei aprovada destina o montante arrecadado a programas de assistência social e desenvolvimento local.

Bodó autorizou 37 empresas a operar loterias municipais. Nenhuma dessas empresas está autorizada a prestar o serviço pela Secretaria de Apostas do Ministério da Fazenda.

O governo federal informou que disponibiliza, em seu site, a lista de empresas de apostas de quota fixa autorizadas a funcionar em âmbito nacional. E notifica e solicita a derrubada pela Anatel à medida que identifica sites irregulares que ofereçam apostas ou loterias.

Como o g1 mostrou em fevereiro, Bodó tem 2.363 habitantes e credenciou 38 casas de aposta — número que representa uma empresa para cada 64 moradores. À época, a prefeitura afirmou que as empresas pagaram uma outorga de R$ 5 mil. E que a autorização é exclusiva para operações dentro do limite geográfico do município.

g1 questionou novamente a Prefeitura de Bodó sobre o valor arrecadado desde o início da loteria municipal e o motivo de ter liberado empresas que não são autorizadas pelo Ministério da Fazenda. Mas não recebeu uma resposta até a publicação desta reportagem.

Sobretudo, o Ministério da Fazenda notificou a prefeitura em fevereiro com alerta de que a prática de concessão de registros para apostas fere a legislação vigente sobre loterias no país.

Riscos e próximos passos

Segundo especialistas, a proliferação de loterias municipais pode trazer riscos para o mercado de apostas e para o apostador, entre eles:

  • Proteção reduzida: a lei federal exige que empresas de apostas paguem uma outorga (uma espécie de taxa para funcionamento) de R$ 30 milhões e sigam rígidas regras de compliance. A criação de legislações municipais reduz essas exigências e pode diminuir a proteção do consumidor.
  • Fiscalização difícil e mais cara: a professora Telma Rocha aponta que, caso todos os municípios criem suas próprias loterias, a União teria que fiscalizar serviços potencialmente explorados em mais de cinco mil cidades, não apenas os 181 sites liberados pelo governo federal. A consequência seria elevar significativamente os custos para o governo.

Fonte: g1