Em períodos socialmente conturbados, acompanhar as más notícias é um costume difícil de se controlar
Doomscrolling (ou doomsurfing) é um termo em inglês, ainda sem tradução para a nossa língua, que descreve “a tendência de continuar a navegar na internet em busca por más notícias, ou seja a hiperinformação, mesmo que essas notícias sejam tristes, desanimadoras ou deprimentes”. A definição é do dicionário norte-americano Merriam-Webster. Em português, a tradução livre fica, “rolagem da desgraça”.
Em agosto de 2020, o neologismo foi escolhido como “palavra do mês” pelo dicionário on-line Dictionary. Seis meses depois, o termo viralizou nas redes sociais após uma série de tweets da jornalista canadense Karen Ho, repórter de finanças e economia global da agência de notícias Quartz. Nas mensagens, Ho lembrava aos seus seguidores: “Pare de rolar a tela. Beba um copo de água. Descanse”.
Mas por que o termo doomscrolling tomou a internet com tanta fúria e tão rapidamente? E o que explica a obsessão por acompanhar notícias ruins, ainda que o excesso de informação prejudique a nossa saúde mental? A resposta está ao seu redor. Afinal, quantas vezes você já não se pegou rolando a tela das mídias sociais à procura de mais informações terríveis sobre a realidade?
Em períodos socialmente conturbados, acompanhar as más notícias é um costume difícil de se controlar. Com a abundância de notícias, relatos e narrativas que a internet proporciona, o doomscrolling pode evoluir para um vício quase impossível de ser combatido, que pode afetar o bem estar e outras coisas na vida do ser humano.
Quando estamos cercados de fatos desesperadores – doenças epidêmicas, alto índice de desemprego, escândalos políticos, desastres naturais ou mortes misteriosas –, parece tentador seguir por um destes dois caminhos: evitar todas as menções a eles ou ler obsessivamente e busca por informações sobre cada detalhe que os compõe.
Por que aderimos ao doomscrolling?
O ambiente virtual, no entanto, nos empurra naturalmente para a segunda direção. Por isso, não parece ser à toa que o doomscrolling é algo intrinsecamente associado à era digital com a hiperinformação.
Em entrevista ao portal Health, Ken Yeager, psiquiatra do Centro Médico Wexner da Ohio State University (EUA), explica que o cérebro humano está programado para ser atraído por coisas negativas, uma vez que elas podem nos causar prejuízos físicos. Para ele, a evolução é uma das razões pelas quais nós deliberadamente procuramos por notícias ruins: conhecendo o inimigo, podemos desenvolver melhores armas para combatê-lo. A informação nos ajuda a sobreviver.
Em outras palavras, o doomscrolling nos dá a sensação de que podemos controlar o consumo da hiperinformação ruim e, assim, modificá-las. No entanto, a verdade é que, na maior parte das vezes, a hiperinformação não contribui como força motriz de nenhuma mudança significativa em larga escala. Os impactos do doomscrolling na saúde mental das pessoas variam em intensidade, mas, em geral, a obsessão por manter-se bem-informado o tempo todo desperta sentimentos de ansiedade, tristeza, isolamento e depressão, atuando como gatilhos para diversos transtornos de saúde mental.
Doomscrolling e ansiedade da hiperinformação
Ironicamente, indivíduos que lutam com a ansiedade e outras doenças relacionadas a ela (transtorno do pânico, transtorno de estresse pós-traumático, transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno de ansiedade social, por exemplo) costumam ter maior propensão ao doomscrolling. E isso acontece por uma razão muito simples: quanto mais ansiosos nos sentimos, mais tentamos controlar as situações e pessoas ao nosso redor – e a hiperinformação nos dá a falsa sensação de que dominamos a realidade.
Além disso, o doomscrolling impede que você se conecte ao momento presente e aos seus próprios pensamentos e sentimentos, o que também é nocivo para a saúde mental. O maior problema é que rolar a tela em busca de más notícias é um hábito tão sutil e automático que, muitas vezes, mal nos damos conta de que ele nos afeta.
Outra possível explicação para o doomscrolling é a nossa tendência a “gostar do medo”. A propensão humana para procurar e identificar o perigo pode quimicamente nos dar uma resposta natural de prazer, movida pela adrenalina. É a mesma lógica que rege a atração por montanhas-russas, filmes de terror e livros de mistério, por exemplo. Buscar notícias negativas também pode fazer parte desse fenômeno, porque ler sobre desastres é uma maneira de despertar a emoção do medo.
No entanto, o medo em demasia sobrecarrega o nosso sistema, uma vez que o corpo começa a produzir altos níveis de cortisol, um esteroide natural com efeitos potencialmente devastadores no organismo. Dor de cabeça, complicações digestivas, ansiedade, ganho de peso, insônia, perda de memória e depressão são somente alguns dos problemas que o cortisol em excesso pode acarretar. Além das desordens mentais, um indivíduo sob o constante estresse provocado pelas notícias ruins pode apresentar pressão arterial alterada, doenças do coração, dor crônica, distúrbios do sono graves e baixa imunidade.
Como combater o doomscrolling?
Identifique o problema
Se você se identificou com a definição de “doomscroller” e acha que está exagerando no consumo diário de notícias ruins, não se preocupe! Existem algumas dicas que você pode seguir para combater esse mal. O primeiro passo você já tomou: reconhecer que há um problema
Desconecte-se
O segundo passo é limitar a quantidade de tempo gasto em dispositivos móveis. Não tem jeito: uma vez imerso no ambiente digital, é muito mais difícil sair dele. Que tal reservar 15 minutos do seu dia para as redes sociais e ocupar o resto do dia com atividades prazerosas, como cozinhar, fazer atividade física, relaxar ou escrever um diário? Você também pode encontrar hobbies para preencher o tempo livre, como cuidar de plantas, pintar ou fazer artesanato.
Veja o lado positivo
Em seguida, treine-se para ver o lado positivo das coisas. Não vai acontecer naturalmente e você tem que trabalhar nisso. Comece procurando pelo menos três coisas positivas por dia, mesmo que sejam insignificantes. Comeu algo saboroso? Valorize isso! Recebeu boas notícias de um parente ou amigo distante? Agradeça! Estabeleça metas para seus pensamentos positivos. Com o tempo, eles passarão a surgir naturalmente na sua cabeça.
Viva a vida real
As mídias sociais podem ser muito atraentes, mas o mundo lá fora também é. Passeie com seu animal de estimação, brinque com seus filhos, faça exercícios ou esportes, dê uma volta no parque e procure ter mais contato com a natureza. A sua saúde mental agradece!
Fonte: ecycle