Na pele de Sara, uma deficiente visual sôfrega por um parceiro, é Keaton quem explica muito do personagem de Irons
A premissa de “Amor, Casamentos e Outros Desastres”, a comédia romântica lançada por Dennis Dugan em 2020, é muito boa, e deveria ser ainda mais em se levando em conta que dispõe de dois veteranos no elenco, uma delas verdadeiro emblema (e quase um paradigma) do gênero. Contudo, Dugan, famoso por besteiróis divertidos e até adoráveis como “O Paizão” (1999). Em que se safa com galhardia da caricatura oscilando do humor para a tensão das emoções de modo quase cartesiano, dá a sensação de passar quase cem minutos a perseguir o tom mais adequado para conduzir um enredo sem tanto refinamento de estilo. Talvez essa seja a armadilha mais perigosa num trabalho de tal natureza.
Uma das primeiras sequências mostra Jessie, a renomada cerimonialista interpretada por Maggie Grace, despencando do céu com o noivo, Perry, como um desses programas estúpidos que só têm graça mesmo para quem não dispensa viver situações arriscadas sem necessidade. Ainda que tudo pareça milimetricamente pensado. O roteiro de Dugan, Eileen Conn e Larry Miller também é um salto no vazio, mas sem paraquedas. E ainda assim, essas cenas são de longe a melhor coisa em “Amor, Casamentos e Outros Desastres”. Malgrado no transcurso do filme Grace não confirme o bom desempenho inaugural.
Minutos depois, um cavalheiro vestido com esmero, alto, esbelto, naturalmente garboso, deixa a Catedral de Santa Cruz, um dos mais suntuosos templos católicos dos Estados Unidos, e é abalroado por Jessie, claro. O mal-estar inicial dá azo a uma breve conversa sobre casamentos entre a personagem de Grace e Lawrence Phillips, o organizador de cerimônias mais famoso de Boston. Empenhado na festa de bodas de Robert Barton, o candidato a prefeito a que Dennis Staroselsky dá vida. Aqui, Dugan repisa clichês sem muito tato, como quando alude à sombra que o irmão de Robert, Jimmy, de Andy Goldenberg, representa na vida do político. O que pode se espelhar em sua ascensão ao poder, mais imediatamente na eleição iminente.
Diane Keaton no filme
Diane Keaton definitivamente não merecia o pouco caso com que sua participação é tratada por Dugan. Na pele de Sara, uma deficiente visual sôfrega por um parceiro. É Keaton quem explica muito do personagem de Irons, um viúvo que faz do trabalho obsessivo a tábua de salvação para continuar com a cabeça acima da linha da água. Há cinco anos sem ter um encontro romântico, não demora para que o sisudo Lawrence vire o Larry de Sara. Em que pese os esperados contratempos que se sucedem à medida que se tornam íntimos. Keaton tarda muito a entrar em cena, mormente num filme que se sujeita tanto a sua presença.
Aliás, o primeiro compromisso dos dois, um piquenique à sombra de uma árvore no roseiral de Rose Kennedy, no parque Cristóvão Colombo, dá azo a uma estimulante conversa informal sobre fotografia, o hobby de Sara, argumento absurdo a uma análise mais ligeira. Mas comprovado pela vida como ela é, cheia de suas maravilhosas surpresas. Inexplicavelmente, nenhum dos dois toca no nome do esloveno Evgen Bavcar, fotógrafo profissional, cego desde os doze anos. Mas aí já seria pedir demais.
A inclusão da subtrama sobre uma “atração” televisiva, “no TBS, às dez da noite”, é, mais que encheção de linguiça, melancolicamente constrangedora. Mas o pior mesmo é concluir que Irons e Keaton se constituem iscas de um filme confuso, tolo. Que flerta com um amadorismo involuntário até nos lances mais triviais. Casamentos podem ser desastrosos, mas certos filmes sobre casamentos estão na fronteira do apocalipse. Assim, só perdas e danos sem que ninguém tenha de ceder nada.
Filme: Amor, Casamentos e Outros Desastres
Direção: Dennis Dugan
Ano: 2020
Gênero: Comédia romântica
Nota: 7/10
Fonte: revistabula