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Lagarto venenoso foi citado no segundo dia de prova do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), realizado ontem (16). Foto: Reprodução/Wikimedia Commons

Lagarto venenoso citado no Enem 2025 inspirou a criação do Ozempic

Lagarto venenoso citado no Enem inspirou a criação do Ozempic e a revolução no tratamento da diabetes

O segundo dia de prova do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), realizado (16), analisou os conhecimentos dos candidatos sobre Ciências da Natureza (Química, Física e Biologia) e Matemática. A 99ª questão do Enem, cujo enunciado menciona o monstro de gila, um lagarto venenoso encontrado em um deserto dos Estados Unidos, descreveu a capacidade do animal de controlar os níveis de açúcar no próprio sangue.

Ozempic: remédio inspirado em veneno de animal

O texto de apoio, retirado de uma matéria da BBC, originalmente discorre sobre remédios inspirados em venenos de animais. No caso do lagarto mencionado, foi o Ozempic que resultou desse hormônio regulador — inicialmente desenvolvido para tratar a diabetes tipo 2. Assim como o Viagra e a Talidomida, o Ozempic se tornou popular em um uso completamente divergente do original.

Paulo Jubilut, professor e biólogo, já havia abordado a pauta nas redes sociais: “Esse lagarto venenoso que quase foi extinto, salvou milhões de vidas e agora pode salvar a sua. Em 1981, esse animal mudou o rumo da medicina. O veneno que matava coelhos em minutos virou a base de um remédio. Uma molécula que hoje ajuda diabéticos e pessoas com obesidade”, disse o professor, em vídeo publicado há seis dias.

De lagarto a Ozempic: o remédio de diabetes que promove o emagrecimento

A história do Ozempic, hoje um dos medicamentos mais vendidos do mundo, começa de maneira improvável: com um lagarto venenoso do deserto norte-americano. Na década de 1980, o bioquímico John Pisano e o gastroenterologista Jean-Pierre Raufman estudavam o veneno do lagarto-de-gila, um réptil de movimentos lentos encontrado no sul dos Estados Unidos e no norte do México.

Na década seguinte, ao lado do pesquisador John Eng, eles identificaram no veneno uma molécula semelhante a um hormônio, batizada de exendina-4. Segundo artigo da Universidade de Queensland publicado na Biomedical Sciences, a substância estimula a secreção de insulina ao agir no mesmo receptor que o GLP-1, hormônio humano ligado ao controle da glicemia. Diferentemente das incretinas naturais, porém, a exendina-4 não era rapidamente metabolizada pelo corpo, o que a tornava uma candidata promissora para o tratamento do diabetes.

Desenvolvimento farmacêutico e aprovação do Byetta

Apesar da relutância de grandes farmacêuticas em desenvolver uma molécula derivada de um lagarto venenoso, Eng e Raufman convenceram a pequena startup Amylin Pharmaceuticals. O exendin-4 sintético mostrou eficácia em camundongos com diabetes tipo 2, normalizando rapidamente a glicemia, e depois comprovou segurança em humanos. Em 2005, o exenatide foi aprovado pela FDA com o nome Byetta.

Uso off-label e perda de peso

Logo se descobriu que usuários do medicamento também perdiam peso de forma sustentada — cerca de 5%, em média, mas alguns pacientes registravam reduções muito maiores. Pessoas começaram a usar o Byetta para emagrecer além das indicações médicas, e, em poucos meses, o medicamento já circulava off-label para perda de peso, antecipando o fenômeno que o Ozempic provocaria quase duas décadas depois.

Pesquisa de GLP-1 e histórico científico

Enquanto isso, a dinamarquesa Novo Nordisk desenvolvia sua própria estratégia: criar um medicamento que imitasse o GLP-1 humano, mas com ação mais duradoura. A ideia partia de um longo histórico científico. Desde o século XIX, quando o fisiologista Claude Barnard investigou por que a glicose oral era melhor tolerada que a intravenosa, pesquisadores buscavam entender o papel dos hormônios intestinais.

Ao longo do século XX, estudos identificaram as incretinas, como o GIP, responsáveis pela maior parte da resposta insulínica após a ingestão de alimentos. A descoberta do GLP-1 pela bioquímica Svetlana Mojsov, nos anos 1980, completou o quadro: o hormônio estimulava a secreção de insulina em concentrações muito menores que o GIP. A dificuldade era transformar essas incretinas em medicamentos, já que o corpo as degradava rapidamente.

Desenvolvimento de versões sintéticas e efeitos no peso

A partir dos anos 1990, a Novo Nordisk começou a explorar versões sintéticas e de ação prolongada. Suas pesquisas mostraram, contudo, que altos níveis de GLP-1 podiam corrigir o diabetes em ratos, que também perdiam peso. A controvérsia inicial sobre o motivo dessa perda de peso deu lugar à compreensão de que havia receptores de GLP-1 no cérebro, responsáveis por suprimir o desejo de comer.

Liraglutida, Ozempic e Wegovy: evolução dos medicamentos

Essa linha de investigação levou à criação da liraglutida, aprovada em 2010 como Victoza, que se mostrou mais eficaz que o Byetta para perda de peso — chegando, em média, a cerca de 10% —, mas exigia injeções diárias. A busca por uma fórmula ainda mais duradoura resultou na semaglutida, aprovada pela FDA em 2017 como Ozempic.

O novo medicamento, administrado semanalmente, apresentava melhor capacidade de atingir os receptores cerebrais de GLP-1, o que potencializou a perda de peso. Com um perfil de segurança sólido e eficácia em torno de 15%, uma dose mais alta da substância foi aprovada em 2021 como Wegovy, para tratamento da obesidade. Contudo, somados, esses produtos ajudaram a gerar A$ 21 bilhões em vendas para a fabricante apenas em 2023.

Mecanismo de ação dos análogos de GLP-1

O mecanismo que sustenta esses medicamentos está diretamente ligado ao funcionamento do trato gastrointestinal. Células especializadas monitoram a quantidade e a qualidade dos alimentos ingeridos e enviam essas informações para o cérebro. Assim como os cães de Pavlov salivavam ao som de um sino, o cérebro humano reage à perspectiva da comida. Ativando nervos que estimulam o pâncreas a liberar insulina.

Lagarto venenoso citado no Enem 2025 inspirou a criação do Ozempic

Por fim, os análogos de GLP-1 — como Byetta, Victoza, Ozempic e Wegovy — interferem nesse circuito ao retardar o esvaziamento gástrico, aumentando a sensação de saciedade, e ao estimular a secreção de insulina por meio de nervos com receptores de GLP-1 na parede do trato gastrointestinal. O cérebro inconsciente recebe essas mensagens e envia comandos que liberam insulina e regulam o apetite.

Fonte: eu estudante enem