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Números da ONU-Habitat 2022 indicam que aproximadamente 1 bilhão de pessoas vivem atualmente em favelas e assentamentos informais, em todo o mundo

IBGE volta a adotar o termo favela em censos e pesquisas

O termo favela era usado historicamente pelo órgão desde 1950

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) passará a usar a denominação favela e comunidade urbana nos censos em substituição à expressão aglomerados subnormais. O termo favela era usado historicamente pelo órgão desde 1950. Segundo  o IBGE, a pesquisa censitária daquele ano mostrou diversos desafios referentes à identificação, ao mapeamento e à classificação das favelas. Começando pela construção do conceito do termo, original do Rio de Janeiro, que era pouco conhecido em outras regiões brasileiras.

“Os resultados desse inquérito evidenciaram a relevância de estudos específicos sobre esses territórios. Uma vez que apuraram que 7,2% da população do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, já naquele ano, residia em favelas”. Informou o IBGE em nota divulgada na terça-feira (23) sobre a alteração.

Assim, números da ONU-Habitat 2022 indicam que aproximadamente 1 bilhão de pessoas vivem atualmente em favelas e assentamentos informais, em todo o mundo. Para o IBGE, entretanto, a projeção pode estar subestimada, diante das dificuldades de captação dos dados em diversos países e à dinamicidade de formação e dispersão desses territórios. “De acordo com a ONU-Habitat, em 2021, cerca de 56% da população do planeta vivia em áreas urbanas, e essa taxa deve subir para 68% em 2050”, completou.

Discussões

Antes da decisão sobre o uso do termo favela, que será incluído no Censo 2022. Aliás, o IBGE fez uma discussão ampla com movimentos sociais, representantes da comunidade acadêmica e de diversos órgãos governamentais. “Não houve alteração no conteúdo dos critérios que estruturam a identificação e o mapeamento dessas áreas e que orientaram a coleta do Censo Demográfico 2022”, diz o instituto.

Conforme o coordenador de Geografia da Diretoria de Geociências do IBGE, Cayo de Oliveira Franco, a divulgação dos resultados do Censo 2022 no segundo semestre realizada com base nos critérios utilizados para a identificação, o mapeamento e a coleta censitária. “A nova nomenclatura foi escolhida a partir de estudos técnicos e de consultas a diversos segmentos sociais. Assim, visando garantir que a divulgação dos resultados do Censo 2022 realizada a partir da perspectiva dos direitos constitucionais fundamentais da população à cidade”. Afirma Franco na nota publicada no site do IBGE.

O IBGE explica que, na ótica das estatísticas e informações oficiais mundiais, a identificação e a classificação de favelas e comunidades urbanas levam em consideração alguns marcos. Entre os quais estão os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, de 2000, que no item 7, refere-se à garantia da sustentabilidade ambiental. Com a meta de até 2020, melhorar significativamente a vida de pelo menos 100 milhões de habitantes de favelas.

Desde 2003, o IBGE vinha realizando atividades de consulta para revisão da nomenclatura. Em 2021, formado o Grupo de Trabalho de Favelas e Comunidades Urbanas. A intenção era subsidiar o aprimoramento do Censo 2022 nas etapas da pesquisa e estruturar um novo processo de consulta para retomar a agenda de reformulação do conceito Aglomerado Subnormal, usado até aquele momento. Sendo assim, a discussão continuou e, em setembro do ano passado. Realizado o Encontro Nacional de Produção, Análise e Disseminação de Informações sobre as Favelas e Comunidades Urbanas no Brasil.

Reivindicação histórica

O chefe do Setor de Territórios Sociais do IBGE, Jaison Luis Cervi, informou que, entre as decisões estabelecidas depois dos processos de consulta, está a aceitação unânime do termo favela, vinculado à reivindicação histórica por reconhecimento e identidade dos movimentos populares. Além disso, chegou-se à conclusão de que o termo deveria acompanhar de um complemento. O conceito deveria também ter acepção positiva e ser um elemento de afirmação, e não de estigmas, reforçando a sociabilidade, a identidade e as formas próprias de organização de tais territórios.

“Também se estabeleceu a importância de que o conceito se refira a territórios com direitos não atendidos, em vez de territórios em desacordo com a legislação. Embora seja central evidenciar a potência desses territórios. Mencionado o desafio de que a desassistência de direitos seja também evidenciada pelas estatísticas públicas”, afirmou Cervi.

Com todas as conclusões, o IBGE preparou a nova proposta de redação dos critérios e selecionou alternativas possíveis para uma nova nomenclatura. Portanto, as duas mais aceitas foram: favelas e comunidades urbanas e favelas e territórios populares.

Por fim, no processo de reuniões internas e externas, a denominação “favelas e comunidades urbanas” foi a mais aderente às discussões realizadas, por ser, inclusive, habitualmente utilizada pelas lideranças comunitárias envolvidas nesse debate. Segundo o IBGE, ficou evidente a popularidade do termo. Especialmente fora da Região Sudeste, e a relevância de um nome fortemente embasado nas práticas sociais e comunitárias desses territórios.

“Valoriza-se, assim, os modos de criar, fazer e viver, reconhecidos no Artigo 216 da Constituição Federal. Por meio de um nome dotado de maior identificação com a população”. Disse o chefe do Setor de Territórios Sociais.

Referência

A denominação favelas se manteve no Censo seguinte, em 1960, como referência a esses territórios. “Na comparação com o Censo de 1950, o número de favelas do Rio de Janeiro aumentou de 58 para 147. Foi neste Censo que o IBGE, pela primeira vez, passou a elaborar cartogramas próprios para a realização da pesquisa nas cidades em substituição aos cadastros prediais e domiciliares. Com a aceleração do processo de urbanização, esse tema ganhou maior dimensão e complexidade”, revelou o IBGE.

A terminologia aglomerados urbanos excepcionais adotada no Censo de 1970. “Apesar da mudança de terminologia, o novo conceito reproduzia praticamente o mesmo conceito empregado para as favelas do Censo de 1950. O tratamento dos setores urbanos excepcionais no Censo de 1970 buscava atender a necessidade de realização de levantamentos amostrais diferenciados e de tabulações específicas”, acrescentou o órgão.

A expressão mantida no Censo de 1980, embora tenha retirada a palavra excepcional do conceito. Que aliás, passou a chamar setor especial de aglomerado urbano. Naquele ano, anotadas 2.280.063 pessoas residindo em 487.729 domicílios particulares permanentes ocupados em favelas.

Assim, a primeira pesquisa a adotar o conceito aglomerado subnormal foi a do Censo 1990, adiado para 1991. Que mantida ao lado do conceito uma observação entre parênteses: favelas e similares. “Este é o censo em que o critério da irregularidade fundiária torna-se a principal identificação dos aglomerados. Sendo sempre associado a pelo menos uma precariedade de padrões urbanísticos ou de atendimento por serviços públicos essenciais. Contadas 4.482.637 pessoas residindo em 1.028.911 domicílios nestas áreas”, informou o IBGE.

Ajudar na mobilização

Naquele censo, tiveram criação as comissões censitárias municipais. Que tinham o papel de ajudar na mobilização da população em cada município e dar apoio à etapa de coleta. Desse modo, também criada a comissão consultiva, formada por especialistas que opinaram sobre o conteúdo dos questionários, a amostra e os métodos de apuração, entre outros aspectos.

Aliás, o Censo 2000 marcou o fortalecimento da discussão com a sociedade civil sobre a produção de estatísticas públicas. Mantendo a denominação aglomerados subnormais para fazer referência às áreas conhecidas como favelas, comunidades, vilas, loteamentos, grotas e palafitas, entre outras. Assim, contadas 6.535.634 pessoas residindo em 1.662.868 domicílios particulares permanentes em aglomerados subnormais (favelas e similares).

Conforme o IBGE, é importante destacar que o Censo Demográfico 2000 foi a campo em períodos próximos às pesquisas Munic [Pesquisas de Informações Básicas Municipais] de 1999 e 2001. Que revelaram um quantitativo de municípios com presença de “favelas e assemelhados” 1,269 – superior àquele demonstrado pela Base Territorial do Censo 2000, que contava com setores censitários de aglomerados subnormais em 225 municípios. As divergências entre a Munic e o Censo 2000 ocorriam também nos quantitativos de favelas referenciados nos cadastros municipais e nos quantitativos de domicílios presentes nessas áreas. Segundo a compilação das informações municipais, o que daria origem posteriormente a diversos esforços institucionais para o aperfeiçoamento dos procedimentos de identificação e mapeamento dessas áreas.

Importância de diferenciar

A expressão favelas e assemelhados retirada no Censo 2010, o que, para o IBGE, trouxe grande avanço na identificação dos aglomerados subnormais. Assim, mantendo a nomenclatura principal utilizada nos censos de 1991 e 2000. “Foram contadas 11.431.619 pessoas residindo em 3.229.434 domicílios particulares permanentes em aglomerados subnormais.”

Na pesquisa demográfica de 2010, em publicações específicas, o IBGE ressaltou a importância de diferenciar as condições socioeconômicas da população, “com ênfase na sua distribuição no território nacional e no aproveitamento máximo das variáveis do questionário básico e do questionário da amostra”. Neste censo, o IBGE detalhou os resultados relativos a cada aglomerado, “o que teve grande relevância para os estudos urbanos no Brasil e para o desenvolvimento de políticas públicas locais.

De acordo com o IBGE, os resultados obtidos entre 1980 e 2010 refletem o aperfeiçoamento metodológico e operacional da pesquisa. Que aliás, permitiu identificar com mais precisão esses territórios em todo o país. Apesar disso, o órgão destacou que os números não permitem conclusões a respeito da dinâmica do surgimento, expansão ou remoção/reassentamento de favelas, dificultando a comparabilidade dos resultados.

“O IBGE está analisando, para a publicação dos resultados do Censo Demográfico 2022. A comparabilidade com os resultados de 2010, identificando os territórios que já existiam e não foram identificados, naquele ano. Bem como os territórios que sofreram expansão ou remoção”, conclui a instituição.

Fonte: agenciabrasil