O RS é o segundo maior produtor da leguminosa do Brasil e, no 1º trimestre, foi o responsável por manter em alta os níveis de exportação
A destruição das lavouras de soja no Rio Grande do Sul (RS) pode elevar não só os preços do óleo, como os das carnes de frango e de porco, dizem consultorias do setor. É que o farelo do grão é a principal base proteica da ração destes animais.
O RS é o segundo maior produtor da leguminosa do Brasil e, no 1º trimestre, foi o responsável por manter em alta os níveis de exportação, após a seca enfrentada pelo Centro-Oeste.
Aliás, antes das chuvas começarem, ainda faltava o estado colher cerca de 30% da safra, aponta Matheus Pereira, da consultoria Pátria Agronegócios. Que presta serviços à Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil).
Assim, a expectativa era de que o estado colhesse cerca de 20 milhões de toneladas, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
A estimativa do tamanho da perda da soja no pé varia, segundo consultorias do setor, de 2,5 milhões a 5 milhões de toneladas. Há ainda as perdas não estipuladas da leguminosa que estavam em silos e armazéns.
A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) divulgou na última quinta-feira (9) um ligeiro aumento de 100 mil toneladas na estimativa da safra de soja do Brasil, cuja colheita está perto de ser finalizada. Mas não contemplou eventuais impactos das enchentes no Rio Grande do Sul.
Segundo a estimativa feita ao final da semana passada, ainda sem considerar eventuais perdas nas lavouras gaúchas, a safra nacional está agora estimada em 153,9 milhões de toneladas, ante 153,8 milhões de toneladas na previsão de abril.
Como a soja afeta o preço dos alimentos
A queda nas exportações após a perda no RS pode gerar uma disputa pela soja como matéria-prima, analisa Carlos Cogo, da consultoria Cogo. Isso, por sua vez, vai reforçar a tendência de alta dos preços da leguminosa.
Para ele, os principais produtos afetados serão o farelo, usado na fabricação de ração; o óleo de soja, para consumo humano; e o biodiesel que, no Brasil, tem 65% da produção feita é a partir do óleo do grão.
A ração animal feita com soja é usada, principalmente, para as cadeias de frango, carne suína e para o caso de criação bovina em confinamento. Sendo que nas duas primeiras é a principal base proteica para a alimentação. Com a ração mais cara, os preços podem refletir nas gôndolas do supermercado.
Já a alta do óleo de cozinha impulsionaria também os preços de outros óleos vegetais para o consumidor, afirma Cogo.
Mas, para ter certeza dessa alta, será preciso acompanhar as perdas no campo por todo o mês de maio, aponta Luiz Fernando Gutierrez, consultor da Safras & Mercado.
Quebra na safra era prevista
Mesmo antes das chuvas, o Brasil já iria sofrer uma quebra na safra de soja, aponta Pereira. Isso acontece quando o volume colhido é menor do que o estimado no início da safra.
Uma das razões era a seca no Centro-Oeste brasileiro, que já prejudicava a colheita. De mesma forma, o preço do grão sofria queda nas bolsas internacionais, seguindo um movimento que afeta as principais matérias-primas agrícolas exportadas, as “commodities”.
Segundo o levantamento da Pátria Agronegócios, haveria uma perda de 23 milhões de toneladas de soja em relação ao potencial produtivo, ou seja, a capacidade do Brasil de produzir.
Seria a segunda maior quebra da história, menor apenas que a da safra de 2022. Em que a perda foi de 25 milhões de toneladas.
Esta quebra, porém, estava sendo segurada pela expectativa de uma safra recorde no Rio Grande do Sul, aponta Cogo.
Além disso, as exportações de soja do Brasil bateram recorde no 1º trimestre deste ano, refletindo negociações realizadas ainda em 2023, apontou o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea).
Agora, após fortes chuvas no Rio Grande do Sul e nos Estados Unidos e de greves na Argentina, o valor do grão já apresenta uma tendência da alta nas bolsas, diz Gutierrez, da Safras & Mercado.
Portanto, para o consultor, as perdas na produção podem fazer os agricultores reduzirem a exportação, para deixar mais grão no mercado interno.
Com isso, as vendas para fora devem ser menores que as do ano passado, quando somaram 101,3 milhões de toneladas.
Segundo Pereira, tradicionalmente o mercado interno entra com maior presença no 2º semestre do ano. Ainda assim, ele diz que as filas de espera para a compra externa de soja em maio continuam em patamares recordes.
Como fica a safra agora
Para Pereira e Cogo, as perdas do grão ainda na lavoura devem ser em torno de 2,5 milhões de toneladas: já para Gutierrez, podem chegar até 5 milhões. Contudo, os três especialistas ressaltam que ainda é cedo para cravar um número.
Além disso, será preciso considerar os grãos que estavam nos silos, que também podem ter sido perdidos.
Há ainda os problemas para escoar a produção que restar, uma vez que vias estão interrompidas e algumas estradas ficaram inviáveis para o trânsito de caminhões pesados, aponta Pereira.
Aliás, outra questão é que a umidade pode causar o apodrecimento dos grãos de soja. Assim, o excesso de umidade tende a elevar a acidez do óleo, o que pode reduzir a oferta de boa qualidade deste subproduto. Especialmente para a indústria alimentícia, explica o Cepea.
As perdas do agricultor
Os agricultores do Rio Grande do Sul vêm sofrendo há 3 anos com quebras na safra. Contudo a principal razão era o calor, devido ao fenômeno climático La Niña.
Neste ano, com o El Niño, a expectativa era de que o estado tivesse um alívio nas temperaturas, proporcionando uma boa produtividade dos grãos, onde os agricultores poderiam se recuperar, aponta Cogo.
“Então, muitos desses produtores haviam renegociado dívidas para pagar com a safra desse ano e isso não vai ser possível. […] No ano que poderiam se recuperar tem esse baque, essa tragédia e vão ter mais dificuldade ainda”, afirma.
“Lembrando que esses produtores não perderam só a colheita de soja. Eles perderam trator, colhedoras, escaveiras, instalações, silos, armazéns convencionais, animais. Perderam basicamente grande parte dos seus patrimônios”, completa.
Desse modo, para Gutierrez, existe a possibilidade de os agricultores não conseguirem plantar na próxima temporada do grão, que no Rio Grande do Sul começa em outubro e novembro. Assim, gerando uma área plantada menor ou menos investimento no campo.