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Entenda como os grupos redpill atraem os jovens através do mensageiro Telegram. Foto: Shutterstock

Como grupos redpill atraem jovens por redes como o Telegram

Pesquisador da USP mostra como grupos redpill e anti-woke usam redes como o Telegram para radicalizar jovens

O aliciamento de adolescentes por grupos extremistas online já não é um fenômeno isolado. Redes como o Telegram e fóruns alternativos têm servido como ponto de partida para a entrada de jovens em comunidades através dos grupos redpill, que promovem discursos de ódio, ideologias autoritárias e uma visão distorcida sobre masculinidade.

Casos recentes envolvendo crianças e adolescentes reforçam a preocupação com o ambiente digital desregulado. Adolescentes expostos a conteúdos nocivos, sem filtros ou mediação, repetem um padrão preocupante: eles absorvem mensagens que prometem pertencimento, força e controle. Mesmo que isso custe a empatia e a convivência democrática.

O pesquisador Ergon Cugler, do Grupo de Estudos em Tecnologias e Inovações na Gestão Pública da USP, escreveu um artigo publicado no Jornal da USP, onde afirma que os casos “apontam para a atuação desregulada de plataformas digitais que expõem crianças e adolescentes a conteúdos violentos, desinformativos e desumanizantes”.

Cugler coordena mapeamentos sobre redes redpill, especialmente no Telegram. Sobretudo, esses mapeamentos revelam como grupos com discursos misóginos, racistas e autoritários capturam adolescentes, oferecendo-lhes identidade, pertencimento e um falso sentimento de controle diante do caos.

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O termo redpill— ou “pílula vermelha” — tem origem no filme Matrix (1999), em que o protagonista escolhe entre uma pílula azul, que o manteria na ilusão, e uma vermelha, que revelaria a verdade oculta. Nas redes, o conceito foi apropriado por comunidades misóginas e extremistas para descrever uma suposta “despertar” para a “verdade” sobre as relações sociais, muitas vezes marcada por discursos de ódio, negação de direitos e ataques à diversidade.

Ecossistema digital estruturado para radicalização

Entre março de 2019 e março de 2025, foram registrados 3,5 milhões de conteúdos em comunidades anti-woke e antigênero na América Latina e no Caribe. Todavia, só o Brasil respondeu por mais da metade das publicações, com 1,8 milhão de postagens e 166 mil usuários ativos.

Além disso, comunidades redpill brasileiras somaram mais de 5,4 milhões de conteúdos no mesmo período, com quase 88 mil participantes. Contudo, esses ambientes operam de forma coordenada e expansiva, utilizando recursos como links de convite para atrair novos membros de outras redes conspiratórias.

“Antes de chegarem a conteúdos antigênero, muitos usuários já foram expostos a espaços que atacam a ciência. Questionam a democracia e difundem desconfiança em relação ao ‘sistema’”, explica Cugler. Segundo ele, há uma estrutura integrada de migração e fidelização por meio de links compartilhados entre canais. Por exemplo, grupos sobre “Nova Ordem Mundial” que convidam usuários para canais anti-woke, ou comunidades antivacinas que encaminham para redes da chamada “machosfera”.

Da autoajuda a radicalização simbólica

A entrada dos adolescentes nessas redes costuma se dar de maneira sutil, por meio de vídeos curtos, memes e conteúdos com humor corrosivo. Inicialmente, são expostos a críticas à “cultura da lacração” ou ao “politicamente correto”. Em seguida, surgem influenciadores com discursos de masculinidade tóxica, culto à autoridade e negação da ciência. “O adolescente começa a enxergar o mundo sob a lente da guerra cultural”, afirma o pesquisador. Sobretudo, nesse processo, eles passam a ver toda forma de diversidade como ameaça e a empatia como fraqueza.

As comunidades oferecem mais do que ideias: oferecem uma pedagogia afetiva, onde frustrações pessoais são reinterpretadas como provas de que o jovem está sendo enganado por um sistema corrupto. Há uma narrativa clara sobre o que significa ser “forte” ou “homem de verdade”, o que, segundo Cugler, configura uma “pedagogia do ressentimento, fantasiada de libertação”. Contudo, o resultado é a conversão simbólica de jovens, que passam a se identificar como parte de uma elite desperta, os chamados “alpha redpillados”.

Plataformas amplificam a radicalização

Sobretudo, parte do problema está na forma como plataformas como o Telegram operam. Algoritmos recomendam automaticamente canais com discursos anti-woke, antivacinas ou negacionistas a usuários com base em interesses similares. Isso significa que, ao entrar em um canal de memes, o algoritmo pode rapidamente expor o usuário a conteúdos sobre supremacia racial, armamento, terraplanismo ou “cura gay”. “Mais do que ausência de regulação, o que temos hoje é uma arquitetura pensada para a radicalização”, alerta Cugler.

O pesquisador também destaca que a interface do Telegram interliga canais com ideologias extremas, sem transparência nos critérios de recomendação. “A própria plataforma se torna parte do problema ao amplificar circuitos de ódio e lucrar com o engajamento gerado por esses fluxos”, afirma.

Iniciativas legislativas começam a avançar

Em resposta ao cenário, algumas iniciativas legislativas estão em curso. Em São Paulo, a deputada Marina Helou protocolou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o papel das big techs na exposição de crianças e adolescentes a conteúdos tóxicos. Desse modo, outros Estados já estudam propostas semelhantes.

Em conclusão, para Cugler, o avanço de projetos como o PL 2630/2020, que trata da responsabilidade de plataformas, e o PL 2628/2022, focado na proteção de menores, é essencial. Ele defende a adoção de medidas mais estruturantes: “Precisamos construir uma infraestrutura digital nacional que garanta a soberania de dados e uma inteligência artificial comprometida com os direitos humanos”.

Fontes: jornal USP, olhar digital, em, revistaestilo