A relatoria da proposta é do deputado Kim Kataguiri (União-SP), que deu sinal verde para ir adiante
Depois do projeto de lei sobre o ensino domiciliar, aprovado na semana passada, começou a tramitar na Câmara dos Deputados uma proposta de emenda constitucional polêmica: a que estabelece a cobrança de mensalidade nas universidades públicas. A matéria, que passaria por análise ontem, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Casa, voltará à pauta somente depois de uma audiência pública para debater o tema.
A PEC 206/19 é de autoria do deputado General Peternelli (União-SP), que defende a tese de que a gratuidade atual privilegia filhos das famílias de maior renda. “Minha proposta é simples: quem pode, paga; quem não pode, não paga. O principal é propiciar uma universidade com ensino de qualidade”, explicou. Sendo assim, a relatoria da proposta é do deputado Kim Kataguiri (União-SP), que deu sinal verde para ir adiante.
O texto veio à tona no momento em que circula o documento Projeto de Nação — O Brasil em 2035, elaborado por três entidades ligadas a militares da reserva, entre eles o Instituto Villas-Boas — que leva o nome do general Eduardo Villas Boas, ex-comandante do Exército e um dos mentores do presidente Jair Bolsonaro (PL). Uma das sugestões do estudo é justamente a cobrança de mensalidade nas universidades públicas.
De fato a PEC foi mal recebida. Entidades estudantis e parlamentares enxergam na iniciativa um grande retrocesso. Bruna Berlaz, presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), participou da sessão da CCJ e explicou que aplicar mensalidades em universidades públicas não resolve as desigualdades. ” De fato precisamos de mais investimento em educação. Até porque, 70% dos alunos em universidades públicas têm renda per capita de um salário mínimo. Se passar na CCJ e for a plenário, os estudantes devem se mobilizar”, alertou.
Novo perfil
Para Renato Janine Ribeiro, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e ex-ministro da Educação, é “corriqueiro” propor-se a cobrança de mensalidades dos alunos mais ricos que estejam na universidade pública. Mas pondera que o perfil desses estudantes mudou.
“Não é mais verdade que o universitário típico, nas instituições federais, seja alguém que estudou em colégios particulares caros. Aliás, cada vez temos mais alunos que vêm das escolas públicas e cada vez mais descendentes de africanos ou de indígenas”, assegura.
Janine Ribeiro faz, ainda, um alerta: “A educação não deve ser entendida como um subsídio estatal para melhorar a renda dos educados. E sim como um investimento que a sociedade efetua para retornos importantes destinados a todos”.
O presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e reitor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Marcus David, endossa as observações de Janine Ribeiro — de que as universidades públicas não são redutos dos mais abastados. “Há um grande equívoco, como se as universidades estivessem ocupadas exclusivamente por alunos de classes alta e média. Certamente é necessário que haja uma rede de universidades que ofereçam ensino de excelência para alavancar a sociedade”, aponta.