Você está visualizando atualmente LIVRO/MKT: Brasil não sacou o poder do branding e perde dinheiro com isso
Se o século 20 foi o tempo do preço, promoção, produto e ponto de venda, o século 21 é o tempo da consciência, da intenção, e de se alinhar à visão dos stakeholders

LIVRO/MKT: Brasil não sacou o poder do branding e perde dinheiro com isso

Branding é a disciplina que ajuda na gestão contínua do valor intangível da organização

Boa parte dos executivos e empresários do Brasil não têm a menor noção do que seja branding. Acreditam que é apenas mais um dinheiro gasto para fazer um slogan ou mudar o desenho da marca.

Não viram (ou não sabem) que a China passou 30 anos cuidando de seu branding para se transformar de um país que apenas fabricava as marcas dos outros em um que constrói suas próprias marcas.

Aliás, branding não é mudança de marca. É a disciplina que ajuda na gestão contínua do valor intangível da organização, escreve Ana Couto, em seu novo livro A (R)evolução do Branding (Editora Gente, 192 páginas).

Assim, considerada a maior autoridade do assunto no Brasil, Ana criou há 30 anos uma agência que leva seu nome e virou referência no marketing brasileiro.

Se o século 20 foi o tempo do preço, promoção, produto e ponto de venda, o século 21 é o tempo da consciência, da intenção, e de se alinhar à visão dos stakeholders, escreve a empresária.

Boa parte das companhias brasileiras passaram pelas mãos de Ana na hora de pensar ou repensar a marca. Sua agência assina a criação do nome e do propósito de marcas como a Raízen, e já mudou marcas como Brastemp, UOL, Ultragaz, Cosan, Unibanco, Hapvida e Havaianas.

Mas para Ana, como regra geral, as marcas brasileiras ainda não destravaram seu valor, ainda não colocam o cliente no centro, não apostam nas “brasilidades.”  Ainda ficam cuidando de marquinhas sem buscar uma árvore frondosa para cuidar da floresta, como fazem gigantes mundiais como Amazon ou Apple.

Ana falou sobre seu livro e a estratégia de marca que ainda escapa ao Brasil corporativo.

brasil-nao-sacou-o-poder-do-branding-e-perde-dinheiro-com-isso-02

Em 30 anos fazendo branding, como você viu as empresas evoluindo?

Eu comecei a trabalhar no Brasil e via que tinha uma visão muito míope do que era designer, o que era identidade, o que era marca. Nos Estados Unidos, na década de 90, vi um mercado muito pujante já trabalhando com o mundo inteiro. Organizações com visão disciplinada de design. Fedex. O caminhão, o pacote, toda experiência única e poderosa. Power application, que chama. E voltei para o Brasil sempre com esse lugar de que a brasilidade tem muito valor e comecei a olhar onde estão as melhores marcas do Brasil.

Qual o valor delas? Por que não crescem na bolsa? Quem é mais valorizado? Quais cases começam a furar essa bolha? O Brasil não consegue furar essa bolha. O Brasil foi evoluindo, mas vem de uma cultura muito extrativista, em que você tira e bota de lado o valor. Assim, o valor fica para o outro porque a margem está na marca.

A China, a Ásia toda, fez um trabalho muito consciente de ‘eu preciso de branding pra sair desse lugar.’ Você precisa pegar os seus problemas e saber quem são seus detratores. Na China, o problema era sobre o que fazer para deixar de ser a economia de exportar a marca do outros. A China fez um trabalho de 30 anos de disciplina de branding e botou isso na pauta. É sempre intencional. Eles fizeram um branding global.

No Brasil, a gente consome o quê? Marcas americanas, agora chinesas. Onde estão as nossas marcas e como podem influenciar? A gente tem Havaianas, Natura, mas são pequenas em potencial de valor. Elas conseguem, mas a execução para mexer na economia global é pequena.

Isso é um atraso tecnológico?

O Brasil é um lugar que fechou a economia durante anos. Agora ainda fica nesse lugar de não ser competitiva quando fecha a economia, coloca barreiras de tecnologia, zona franca. Client driven. Quantos anos de serviço em que as empresas não estão nem aí para o cliente? Nos EUA, o cliente é rei há décadas.

Por isso as empresas brasileiras vivem com esse discurso de que tem que botar o cliente no centro? Por que nunca botaram?

Estamos muito atrasados nisso e aí até tem essa intenção. Mas quando você olha a empresa inteira, ela é feudal, cada um na sua área. Assim, quando você trabalha com branding, você trabalha com a cultura da organização. O branding não é uma mudança de marca, é uma mudança de atitude, de mindset da organização, porque a organização precisa inteira pensar no seu branding. Quando você pega Apple, Amazon, tem disciplina de cultura de branding que é absurda. Você pode pegar vários artefatos. A porta do Jeff Bezos. Ele não queria gastar dinheiro no começo da Amazon, então pegou uma porta e fez a mesa dele e disse que enquanto não fizessem tudo pelo cliente, não iria mudar essa porta. E ele faz a cultura inteira da Amazon totalmente focada para o cliente. É tecnológica, e-commerce, mas voltada para o cliente.

Aliás, a economia americana se reinventou. As marcas são todas de tecnologia, que trouxeram premissas novas para o jogo. Se você tem uma marca client-driven você consegue reger e ofertar muito mais coisa para seus clientes. Fica muito ágil em resolver problemas. Constrói um ecossistema que você consegue vender mais. Uma vez que estou na Amazon, vou para Prime, cloud, etc. Aqui a gente vai perdendo um monte de coisa. O Brasil tem uma gestão de portfólio com um monte de marquinha, um monte de coisinha, ninguém significa nada pra ninguém. Escolhe. Você precisa ter uma árvore frondosa para você poder expandir sua floresta.  O Brasil peca em método e disciplina de execução. Método traz estratégia, disciplina traz a execução do dia a dia.

Quem hoje no Brasil consegue?

O grupo Farm, por exemplo. Começou na feirinha do Rio, entendeu suas fortalezas, apostou na padronagem de suas estampas, fez cobrands interessantes que geram valor.

Dengo é uma marca recente, que veio da Natura, que conseguiu trazer proposta de valor mirando o ecossistema. Olhou o cacau como origem, remunera bem quem planta, traz para experiência do consumidor, traz diferenciação e como valor de marcar para exportar.

A Granado olha a sua origem, entende seus equities e fortalezas e consegue evoluir. Tem que fazer esse trabalho de olhar pra trás.

A Ultragaz tinha barreira na marca, por exemplo, que era o esforçadinho e agora tinha oportunidade de ser uma marca de energia. Fez um rebranding com uma nova estratégia e uma nova etapa em uma marca de 80 anos.

A cultura brasileira não dá valor ao passado. Tem uma história extrativista, uma história que não se conta. Ou você tem donos de empresas que estão muito no controle e não sabem passar aquela história pra frente ou são compradas por investidores que esquecem o passado. Cadê as garagens? As histórias de empreendedores? Quantas histórias de empreendedores a gente conhece no Brasil? Muito poucas, mas conhecemos várias americanas.

Contudo, a gente precisa reverenciar esses empreendedores. Mas ainda tem a mentalidade do extrativismo. Alguém ganha para alguém perder. E essa mentalidade não é saudável.

O branding ou rebranding sempre salva ou algumas empresas precisam desistir?

O rebranding não salva, ele é um método e disciplina. Se você não tiver um planejamento estratégico alinhado com o rebranding, aí vira papel. O rebranding é só algo que ajuda a organização inteira a se alinhar para destravar valor. Se não executar, você não consegue destravar  valor. Ah, eu quero ser super sustentável ou client-driven… se o seu dia a dia não é esse, se as pessoas não trabalham de forma integrada, se você trabalha ainda em feudos comercial não trabalha com marca nem com produto você vai dar com os burros n’água. Mas além da estratégia tem que ter a execução.

Além disso, as organizações têm que entender que não é só botar dinheiro numa influenciadora. O Brasil vira rápido. Somos o país que mais investe em influenciadores do planeta. A gente migra rápido, mas sem consciência e intenção. A gente vê muitas organizações perdidas neste lugar, sem um planejamento estratégico. Você pode botar 500 mil num post e não tem resultado nenhum. Isso já foi feito lá atrás, com mídia on e off. Botava-se um caminhão de dinheiro na Globo. Era muito anabolizante. Casas Bahia. Por anos foi o maior investidor em mídia do Brasil. Tira isso, é anabolizante. Tira esse residual de valor, o que fica?

No entanto, o Brasil segue neste modelo de não pensar no valor estratégico. Aí migra para um influenciador, que continua sendo um anabolizante. O valor está na fidelização do cliente, de ele saber o que significa, qual proposta de valor, ter fidelização emocional. Se oferecer outra coisa o cliente vai comprar, daí abre caminho para crescimento sustentável que não é anabolizante. Todo mundo vai ter problemas, pode dar errado. Mas continua na construção de valor.

Mas no final tem que arriscar também.

Não arriscar é muito ruim. Mas arriscar a qualquer preço também. Todo mundo era apaixonado pela Gisele Bundchen. Toda campanha era a Gisele. No fim, você não sabia mais que marca era. Era só Gisele. Ela sim é a melhor gestora de marca, ela tem propósito, constrói valor muito além do produto.

É bem complexa essa construção de valor. Mas é a forma de ter a disciplina da gestão, dos KPIs. Não existe mais negócio sem medir. Sendo assim, tem que ter métricas para alcançar sua meta.

E qual é a maior dificuldade?

A gente viu nos últimos anos que a cultura é uma grande barreira. E a gente trouxe método para não ficar na filosofia. A gente precisa mais gente entendendo que é um método e que não é um conceito filosófico. Tenho medo de cair no lugar do ESG.

O branding é o que vai reger o século 21 porque é um século que precisa ter consciência e intenção. O século 20 foi um século de crescimento em que o marketing funcionou muito bem: preço, promoção, produto, ponto de venda. A gestão do século 21 é outra. É branding, trabalhar todas as visões dos stakeholders. Alinhar stakeholders. Saber que você botará uma coisa na rua e as pessoas vão reconhecer a externalidade que seu negócio criou. No século 21, o que não era responsabilidade da organização hoje é. O jogo mudou muito e está muito mais complexo.

Fonte: braziljournal