Natural da Aldeia Jaguapiru, de Dourados
Florismar Vargas, de 31 anos, indígena natural da Aldeia Jaguapiru em Dourados (MS), está conquistando espaço nas telas da TV Globo. O artista integra o elenco da novela “Mania de Você”, onde interpreta um cozinheiro em um resort de luxo, contracenando com diversas estrelas da teledramaturgia.
Filho de Ana Cristina de Souza Vargas e Florêncio Vargas, o sul-mato-grossense sonhou em um dia viver do trabalho de ator, embora isso parecesse distante. A mãe de Florismar revelou ao TeatrineTV que levou um susto quando o jovem, com apenas R$ 70 no bolso, decidiu mudar-se para a capital carioca em 2022.
No começo, não acreditei muito, mas quando chegou o dia, eu chorei muito. Pois, por mim, nenhum deles [filhos] sairia de perto de mim.
Na época em que ele foi, eu e minha família estávamos passando por uma dificuldade muito grande, e ele sempre disse: “Mãe, eu vou e, quando eu conseguir as coisas, não quero que a senhora trabalhe mais, quero ver a senhora e o pai descansando, pois já cuidou de nós todos” — recordou Ana, de 45 anos.
Indígena TV Globo
O primeiro contato de Florismar no Rio de Janeiro foi com um doutor que precisava de um sushiman para uma rede de restaurantes japoneses. Para isso, o empresário propôs pagar o aluguel e a passagem de Florismar.
Como eu já estava me preparando, falei: “Mãe, eu vou embora, vou trabalhar fora.” Só que quase ninguém acreditava em mim, sabe? Porque eu nunca saí de casa assim. Eu falava: “Mãe, eu vou embora tal dia, vou para tal lugar”, mas ninguém acreditava. Então fui me preparando. Lembro que passei o Natal, na verdade, foi em novembro, outubro de 2021. Fui falando: “Gente, eu vou embora, eu vou embora,” e ninguém acreditava. Parei numa situação em que falei: “Cara, eu preciso correr atrás do meu sonho. Eu não posso morrer aqui sem realizar meu sonho, tanta gente com tanto sonho e nunca faz nada.
Florismar disse que em MS, o sonho de viver do ofício de ator parecia quase inalcançável
Parecia impossível para mim por conta da nossa realidade de viver em uma aldeia. Não somente para nós, indígenas, mas também para nós, douradenses, um exemplo para os não indígenas. Até porque não há políticas e meios que venham acolher essas pessoas que querem seguir esse ramo.
Um exemplo: quando eu queria dar os primeiros passos, o que eu fazia? Eu lembro que tinha um jornal, aquele jornal de papel normal, onde tinha os anúncios, e eu ficava caçando escolas de teatro em Dourados.
E toda vez que eu ligava para essas escolas, tipo, só vou citar um nome aqui, não precisa divulgar, um exemplo. Eu lembro que vi aquele estúdio ***, onde eu tive que ligar para essa academia, não lembro o que era para esse estúdio, e comecei a perguntar: “Tem aulas de teatro?” A resposta que eu ouvia era só não. “Ah, tem que formar grupos, tem que ter uma quantia de pessoas assim, tal.” Eu procurei me informar, só que aí percebi que precisava de um curso que emitisse o DRT, e eu também nem sabia o que era DRT. Foi uma realidade tão dura para mim que eu via que estava muito impossível de se realizar em Dourados.
A falta de incentivo ao ofício não é algo restrito à 2ª maior cidade do estado, mas também à capital com o indígena que agora esta na novela da TV Globo.
Aí é onde eu ficava imaginando:
Não tem nenhuma escola aqui ou em Campo Grande. Pensei também em trabalhar, mas fazer curso em Campo Grande, de teatro. Mesmo assim, não há políticas, nem meios, nada da cultura que ajudem o artista ou o cidadão sul-mato-grossense a ingressar nesse meio, nesse ramo. Para mim, era um sonho muito difícil, muito distante de se realizar. E é onde a gente tem que encarar a realidade.
Sem qualquer perspectiva de conquistar seu objetivo em MS, Florismar inicialmente pensou em ir para Santa Catarina. Mas, as grandes escolas estão espalhadas pelo Brasil, principalmente em São Paulo e Rio de Janeiro, que é onde eles acabam encontrando grandes artistas.
Eu falava: “Não, eu vou ter que ir para esse lugar.” Mas nunca me passou pela cabeça sair e ir embora por conta disso. Na verdade, eu ia para Santa Catarina, que eu ia trabalhar. Falei: “Não, eu vou trabalhar.” Só que numa dessas, vi um anúncio no Instagram, selecionando pessoas para a escola Wolf Maya. Aí me inscrevi, paguei 50 reais na taxa e passei na seletiva. Eu já estava com viagem marcada para Santa Catarina, mas do nada apareceu essa oportunidade de vir aqui para o Rio de Janeiro, que eu vim trabalhar. Cheguei aqui para trabalhar na rua.
Ator indígena na TV Globo
A criação dada pela mãe a Florismar inspirou a resiliência necessária ao artista sul-mato-grossense.
— Eu sempre disse a ele: faça o bem sempre, pois não sabemos o dia de amanhã. Ele vem de uma família humilde, porém com grandes valores religiosos e culturais. Por essa razão, ele nunca deixou de lembrar dos nossos costumes. Ele foi criado dentro de um lar cristão, com muita força de vontade e determinação. Ele tem ajudado sempre as pessoas, tem um coração enorme — declarou Ana.
A mãe revelou que no começo a família ajudou na medida do possível para que Florismar insistisse em seu sonho.
— Sempre que podemos, ajudamos ele. Só não faço mais porque não temos mesmo, e ele sabe disso. No ano seguinte que ele foi, deixei de comprar várias coisas para juntar dinheiro e ir até onde ele estava, pois eu queria ver com meus próprios olhos como ele estava. Eu nunca tinha ido sozinha tão longe como o Rio de Janeiro — comentou.
Na aldeia Jaguapiru, Ana já sente o impacto da representatividade.
— Hoje, vários jovens têm me procurado para saber se ele é realmente meu filho e como ele foi tão longe. Isso já demonstra que os jovens podem sim sonhar e voar longe — avaliou.
Orgulhosa, Ana celebrou o destaque do filho na novela da Globo.
— Para mim é um grande orgulho, pois a vida dele não tem sido fácil. Eu sempre ensinei a eles a conquistar seus sonhos através de muito trabalho. Ele trabalhou muito cedo. Eles têm eu como exemplo, pois eu fui merendeira e hoje sou formada. Para minha família, ele estar na TV é motivo de comemorar e muito — conclui a mãe, que atualmente é professora de Ciências na Aldeia Jaguapiru.